Wednesday 1 February 2012

A Fé enquanto compromisso

Randall Smith
Às vezes falamos da “fé” como se implicasse nada mais que o assentimento intellectual a uma lista de proposições, sem a necessidade de provas. Quando essa fé é desafiada deixamos de saber se ainda “acreditamos”. Será que Deus existe?

Quando falamos assim de Deus é como se estivessemos a falar de OVNIs ou fantasmas. Existem? E se sim, que diferença é que isso faz? Mesmo que os fantasmas existam, para que é que servem para além de fazer barulho e arrastar a mobília? Isso até os filhos fazem. A existência ou não de fantasmas não afecta a minha vida.

Mas a fé – pelo menos a fé cristã – é diferente.

Pensemos no seguinte caso. Imagine que está de volta no liceu – por mais que isso lhe custe – e que tem uma professora daquelas, das que claramente o odeia. Está constantemente a pensar isso: “Ela odeia-me.”

Agora imagine que um bom amigo vem ter consigo e diz que ouviu uma conversa entre o director e vários outros professores, durante a qual aquela professora que supostamente o odeia o estava a defender com unhas e dentes, contra todos os outros que acham que deveria ser expulso da escola. (Isto é baseado numa história real.)

Agora pense na sua resposta. A primeira reacção talvez fosse de dizer: “Não acredito.” Como quem diz: “Não acredito que isso tenha acontecido; não acredito que ela tenha feito isso; deves ter ouvido mal.”

“Não”, responde o amigo, “eu vi pela porta, era ela.”

Consoante a fé que tem nas suas crenças sobre esta professora, a sua próxima reacção talvez seja mais extrema: “Não, isso não aconteceu, estás a mentir.”

Mas imaginemos que se trata de um bom amigo que nunca lhe mentiu. Que, ainda por cima, já o ajudou em algumas situações complicadas e que, francamente, não tem qualquer razão para lhe mentir. O que é que implicaria “acreditar” nesta história?

Em primeiro lugar, não tendo estado lá, para acreditar na história é preciso acreditar no seu amigo o suficiente para acreditar que este facto histórico aconteceu mesmo. Mas isso é só o início.

Porque mesmo que acredite que esse evento aconteceu tal e qual lhe foi descrito, continua a ser possível negar que a professora tenha agido “em seu benefício.” Isto é, mesmo que acredite que ela o defendeu, pode insistir consigo mesmo que ela o fez apenas para o tramar: “Ela quer manter-me aqui para continuar a torturar-me”, ou algo do género.

Logo, para além de ter de acreditar no seu amigo o suficiente para acreditar que o evento aconteceu mesmo, também tem de acreditar nele o suficiente para confiar na sua interpretação do evento: que a professora fez o que fez porque se preocupa consigo e não apenas para dar cabo do seu juízo.

Assim, “acreditar” envolve não só uma aceitação da historicidade de um evento, inclui a aceitação do significado e da importância desse evento. Se for capaz de acreditaqr que esta professora, que pensava que o odiava, não só o defendeu como o fez por que se preocupa com o seu bem-estar, então talvez tenha que repensar todas as coisas que ela lhe fez no passado e reinterpretar essas acções à luz deste novo facto.

É uma realização desconcertante: “Oh não! Não me digam que esta mulher está do meu lado, que todo este tempo tem estado a tentar ajudar-me! Vou ter de reavaliar tudo!” Quando uma boa parte da nossa vida foi passada a odiar alguém que pensamos que nos odeia também, descobrir que afinal essa outra pessoa não partilha dos nossos sentimentos pode ser assustador. É como se alguém nos tirasse a muleta em que nos apoiávamos.

Imaginemos que, afinal, a hipótese de que ela apenas o quisesse manter na escola para o torturar não lhe parece muito credível, obrigando-o a considerar a ideia de que ela se preocupa mesmo consigo. A verdade é que mesmo assim ainda pode dizer: “Tudo bem, admito que ela o fez e que (talvez) o tenha feito por amor, mas a verdade é que não quero saber. É uma parva e eu não quero viver como ela.”

Isso ainda é possível, não é? Ninguém o obriga a respoder com gratidão ou amor. Pode responder com desprezo. Não falta quem o faça. O que tem à sua frente é um convite. Pode dizer “sim” e deixar que isso o mude, ou pode dizer “não” e endurecer o coração.

A “fé”, no verdadeiro sentido da palavra, significa deixar que o amor de Deus nos mude de tal forma que respondemos na mesma moeda, com amor. Uma fé que não nasce do amor, e não dá frutos no amor, permanece vazia. É como acreditar em fantasmas. Pode passar o dia todo a falar de fantasmas ou a falar de Deus mas isso não muda nada se aquilo em que acredita não tocar tanto a sua mente como o seu coração e o levar a fazer mudanças na sua vida.

Visto assim, a principal questão não é saber se acredita em Deus, a primeira questão é saber se acredita no amor. Porque se não consegue, ou não quer, acreditar no amor, nunca estará em condições de aceitar a boa nova de Jesus, tal como não foi capaz de aceitar as boas noticias sobre a professora que pensava que o odiava.

É muito mais fácil agarrar-se à convicção de que não pode ser verdade. Acreditar em Deus não é difícil. As pessoas acreditam em toda a sorte de coisas que nunca viram, fantasmas, OVNIs, quarks. Desistir das suas convicções infantís, mudar a sua visão do mundo e dar a volta à sua vida: isso é que é difícil.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez no Domingo, 22 de Janeiro 2012 em http://www.thecatholicthing.org/)

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