Friday 16 March 2012

“Não sei se haverá quem o possa manter a Comunhão Anglicana unida”

Transcrição completa da entrevista ao padre Peter Stilwell*, sobre a anunciada renúncia do Arcebispo de Cantuária. Veja a notícia aqui.

Esta renúncia é o assumir de uma derrota por não ter conseguido conciliar liberais e conservadores no seio da Igreja Anglicana?
Não, os arcebispos de Cantuária tradicionalmente renunciam ao cargo, penso que aos 65 anos. Não sei bem que idade é que ele tem, mas está dentro do tempo considerado normal para os arcebispos de Cantuária renunciarem. O que acontece é que essa divisão que atravessa a Comunhão Anglicana tem sido uma preocupação para os vários sectores e há conversas de bastidores na comunhão anglicana de que de facto ele não tem sido capaz de fazer a ponte entre os diversos sectores.

O seu sucessor terá dificuldades também nesse aspecto…
A função do Arcebispo de Cantuária é ser mais um primus inter pares, ele tem igualdade de estatuto com os outros bispos anglicanos, mas tem a função de tentar conciliar as partes, de falar com elas e criar pontes entre os diversos sectores. Não sei se haverá quem o possa fazer neste momento, porque as posições estão extremadas sobre assuntos que parecem tocar mesmo o coração das questões doutrinais e morais.

Portanto não é fácil ver como é que se consegue criar uma abrangência tal para posições aparentemente antagónicas que se possam dizer ainda em comunhão e como é que se vai evitar que a comunhão se fragmente entre sectores que aceitam uma forma de doutrina ou uma forma de aplicar o entendimento do ministério sacerdotal e episcopal.

Vamos ter de esperar para ver qual é o homem providencial que a Igreja Anglicana vai escolher.

Qual é o Estado actual do diálogo ecuménico entre anglicanos e católicos, e que papel teve Rowan Williams nesse campo?
O diálogo ecuménico processa-se em diversos níveis. Um dos níveis é através da amizade e fraternidade entre diversas comunhões. A esse nível o Arcebispo Rowan Williams mostrou grande dignidade e mestria, inclusivamente quando o Vaticano anunciou a criação de um ordinariato para acolher anglicanos que quisessem entrar na Igreja Católica. Isso foi anunciado de uma forma pouco cuidada, poderíamos dizer, visto de fora, porque o Arcebispo de Cantuária nem sequer tinha sido devidamente avisado do anúncio, embora soubesse que havia algo a ser preparado. No entanto reagiu com grande dignidade e sem criar maiores atritos por causa dessa falta de cuidado.

Outro nível é doutrinal, nesse nível as igrejas Anglicana e Católica mais ou menos esgotaram os grandes temas doutrinais sobre os quais se debruçaram. Encontraram sintonia em todos eles, mas ficaram em suspenso novos problemas que surgiram entretanto, como a ordenação de mulheres e a questão de aceitar ou não os ministros que estivessem numa relação homossexual. Isso são questões que ferem a própria comunhão anglicana e sobre as quais não me parece haver qualquer possibilidade de diálogo com a Igreja Católica.

* O padre Peter Stilwell é responsável pelo diálogo ecuménico no Patriarcado de Lisboa. Como o nome indica, é filho de ingleses (católicos), mas nascido em Portugal. Por uma questão de transparência, acrescento que o padre Peter é meu tio.
Filipe d'Avillez

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