Friday 30 November 2012

“Sexual abuse crisis is opportunity for Australian Church”

Robert Hiini
Full transcript of the interview with Robert Hiini, journalist with The Record, diocesan newspaper of Perth, Australia, about the sexual abuse crisis in Australia.
See news story here (in Portuguese).

Transcrição integral da entrevista a Robert Hiini, jornalista de The Record, jornal diocesano de Perth, na Austrália, sobre o escândalo de abusos sexuais na Austrália. Ver notícia aqui.


The sexual abuse crisis has hit Australia now, what exactly is going on at the moment?
The most recent event is that the Federal Government has announced a Royal Commission into sexual abuse of minors in institutions, religious and non-religious. Victim groups have been making a concerted push, as have the media in the last six months, to drive the Government to take this action. On November 12th Prime Minister Julia Gillard announced a Royal Commission.

So the Commission will also focus on non-Catholic institutions? But media coverage seems to be almost exclusively related to religious institutions, is it not?
It’s true that the media have focused largely on the Catholic Church. The Australian Broadcasting Corporation (ABC) has run several high profile stories about specific dioceses and terrible incidents that have occurred in those dioceses and that has stirred a wider national conversation.

There are a lot of organized victim groups which have agitated for an investigation into the Catholic Church. One of the things that the leader of the opposition in the Federal Parliament said was conditional to his support for a Royal Commission was that it should not only pertain to the Catholic Church but should be extended to other organizations such as Government and non-Catholic organizations.

The cases that have come to light, are they recent?
The cases that have been referenced, particularly by the ABC are cases in which the incidents occurred nearly 20 years ago. I have heard statistics from the State of Victoria, Australia’s second most populous state, which suggest something like 13 to 20 cases that happened after 1990, so there seems to be a massive drop-off in the number of offenses, whether this is due to delayed reporting is anyone’s guess, but it certainly is true that most of the allegations are 15 to 20 years old or older.

How have the bishops reacted to the Royal Commission?
Australia’s bishops have universally welcomed the Royal Commission. There was a joint statement put out on behalf of all Australian bishops saying they welcomed the move and were interested in continuing to ensure that healing was available for victims. The one point of controversy was Cardinal George Pell, from Sydney, who held his own press conference on November 13 in which he reiterated support for the Royal Commission but also said he hoped the Royal Commission would separate fact from fiction, accusing what he described as a hostile media of exaggerating the number of claims. He’s been roundly criticized by the media and victim groups for doing that, but broadly Australian bishops have welcomed this move.

Julia Gillard, primeira-ministra da Austrália
There has been debate about the seal of confession…
There was a debate for many days, mainly in tabloid publications such as the News Limited publications but also in Australia’s second largest media group Fairfax publications. That seems to have died down, at least for the time being. It was set off by the premier of New South Wales who said he couldn’t imagine how a priest who heard that in confession could sit on it and not report it to police, and that fuelled the debate.
In the quality press it has largely been assessed to be a red herring. Most people would agree it’s not how most incidences of abuse come to light, and most people want to see real action taken to real situations.

As a journalist but also as a Catholic, what has your reaction been to what is going on?
I guess it’s a mixed picture for me because I watch some of the media coverage and there has been an incredible looseness of language. Whether the coverage relates to specific incidences in specific dioceses its always the church that is held to account. Of course as a Catholic whenever I hear “the church” I think of myself and one billion other people and the saints in heaven and so on.

But the reporting aside, when you hear the accounts of victims you know that that pain is real. And where there are incidents, particularly in the last 20 years when we are supposed to have cleaned up our protocols and our acts, when you hear of incidents that are recent, I see that as an opportunity to do our best by children. Having said that I think most media in Australia are of a progressive, vaguely anti-Catholic bent and some of this reporting seems to be a proxy for underlying resentment against the catholic church and its teaching, but I am trying to focus on the facts that have happened, and the pain of victims and making sure it doesn’t happen again, I think it’s an opportunity for us to do that.


Filipe d’Avillez

Wednesday 28 November 2012

DeusBebé, Yad Vashem, Coptas e Fernando Santos


A ideia desta campanha da ChurchAds é recordar as pessoas da centralidade de Jesus no Natal. Imaginativo? Mau gosto? Decida por si e já agora veja algumas das melhores e mais provocadoras campanhas desta organização dos últimos anos.

Para os fãs de peregrinações existe um novo caminho para Fátima: O Caminho do Mar… são 140 quilómetros ao longo da costa. Imagino que deve ser belíssimo.



Amanhã é o último dia da exposição sobre a Fé no Campo Pequeno. Ontem falou Fernando Santos, o treinador de futebol e católico praticante.

ChurchAds, as melhores campanhas

Todos os anos a organização britânica ChurchAds faz campanhas cujo objectivo é recordar da centralidade de Cristo no Natal.

Este ano o tema é o GodBaby, uma sátira aos bonecos cada vez mais realísticos que a televisão impinge aos nossos filhos. Existem duas versões e, como todos os anos, está lançada a polémica.

GodBaby em versão soft

E aqui numa versão que só pode chocar
quem nunca viu anúncios de bonecos
 Aqui ficam algumas das melhores campanhas desta organização dos últimos anos.

Uma das primeiras campanhas, na Páscoa de 1999. Esta deu que falar, como devem imaginar, mas tinha como objectivo contrariar a ideia de um Jesus "coitadinho".

Aqui um exemplo de uma das primeiras campanhas "Christmas Starts With Christ", para recordar que por mais que a sociedade nos aponte outros caminhos, o Natal é sobre Jesus.

Aqui uma das campanhas mais imaginativas. Afinal de contas, Deus está em todo o lado e podemos encontrá-lo nos sítios mais imprevisíveis...

O regresso à temática revolucionária. 25 de Dezembro, a verdadeira revolução...

Tuesday 27 November 2012

Fé no Campo Pequeno, tourada no Iraque

Começou hoje uma exposição sobre a Fé no Campo Pequeno, em Lisboa. A entrada é livre, há actividades hoje à noite e amanhã, não percam.

Em todo o continente africano, e mesmo em muitas partes do mundo ocidental, a Igreja depara-se com o problema da feitiçaria. Os bispos angolanos não vão admitir mais que os fiéis tenham um pé em cada campo. Quem pratica feitiçaria não comunga em Angola.

A Igreja tem novos cardeais. São seis e ouviram o Papa falar da universalidade da Igreja. Recorde-se que no último consistório houve queixas de que os cardeais eram quase todos do mundo ocidental, pois esta leva era quase exclusivamente africana e asiática.

No Iraque mais um atentado dirigido a muçulmanos xiitas. Digam o que disserem, o grande conflito regional no Médio Oriente agora é este, entre sunitas e xiitas, como se explica aqui.

Uma última nota para esta reportagem. Não tem nada a ver com religião, mas não é todos os dias que se entrevista um homem com 101 anos e só por isso merece ser visto!

Friday 23 November 2012

Quando a chacina chegou ao mercado

Hoje foi a Semana Social, promovida pela Conferência Episcopal Portuguesa, a dominar as atenções. Podem começar por esta entrevista a D. Jorge Ortiga e ir seguindo as ligações. Durante o fim-de-semana têm novidades no site.

Se algum dia tentarem falar hausa, um dos dialectos da Nigéria, cuidado com a língua. Um empresário enganou-se a dizer um ditado e cinco cristãos morreram…


Temos também uma reportagem sobre o livro “A Vida Numa Palavra” (ver imagem) de Bernardo Corrêa d’Almeida. Aqui, como de costume, podem ler a entrevista na íntegra. Recomendo a leitura não só da entrevista como do próprio livro, quem sabe pode ser um bom presente de Natal.

Por falar em festas, hoje e amanhã há uma venda de Natal no Centro Comunitário da Boa Nova, no Estoril. Se estiver para esses lados não deixe de aparecer.

"Discípulo amado é definido pelo amor que recebe de Jesus"

Transcrição integral da entrevista feita ao Frei Bernardo Corrêa d'Almeida, sobre o seu livro "A Vida Numa Palavra". A notícia está aqui.

Todo este trabalho tem por base uma tradução própria do Evangelho de São João. Porque é que isso foi necessário?
Em primeiro lugar partiu do estudo que fiz, directamente do original. Confrontando com as versões que temos ao nosso dispor, pareceu-me que seria valioso e importante aperfeiçoar algumas aproximações ao texto. Pessoalmente, e para quem está a acompanhar a leitura, indo mais possível ao texto original, creio que é sempre de grande valor, até porque o objectivo do meu trabalho é colocar o leitor não propriamente a ler o meu livro, mas a ir ler o Evangelho.

Mas as mais recentes traduções, por exemplo a Bíblia dos Capuchinhos, têm alguma falha importante?
Diria que a minha tradução tem a vantagem de ter sido feita por mim, que dediquei muitos anos ao estudo do Quarto Evangelho, enquanto as que temos foram feitas por grandes peritos, que têm uma maior amplitude literária no que diz respeito à Bíblia.

Acontece que neste momento a Conferência Episcopal está a trabalhar numa nova tradução litúrgica e por isso numa nova tradução bíblica, precisamente neste sentido. O trabalho pode ser sempre apurado e o estudo bíblico aprofundado.

No Evangelho de São João a vida pública de Jesus começa com as Bodas de Caná. No seu entender, a escolha de um casamento para começar não é por acaso…
Não é por acaso. Por um lado importa dizer que o Quarto Evangelho nasce da morte e ressurreição de Jesus, desse momento principal, em que o autor é gerado. O Evangelho nasce do fim, começa com um “happy end” que é um casamento, que é consumado nesse momento da morte e ressurreição de Jesus na cruz. Foi concebido como um seio, imaginemos uma barriga de uma mãe, onde há um bebé, um ser humano, que depois nasce para a vida. O Quarto Evangelho foi assim concebido, é uma comunicação de uma vida, quem a recebe vai sendo gerado para a vida.

Mas esta ideia do Quarto Evangelho como uma história esponsal é nova?
Não, não é nova. O tema do matrimónio, da aliança, é um tema bíblico, transversal. Aliás a única novidade dos Evangelhos é o facto de Jesus completar essas tradições na própria existência e no mistério pascal. Não é nova.

Peguemos na história da Samaritana. Na leitura que apresenta no seu livro, quando Jesus se refere aos cinco maridos anteriores da Samaritana, e ao homem com quem está agora mas que não é marido dela, isto tem uma leitura mais profunda…
O Quarto Evangelho é uma obra magistral, atravessada sempre pelo duplo sentido. Isto é, por detrás do sinal há o conteúdo do sinal. Isto acontece em quase todas as situações.

No caso da samaritana é evidente que se viviam, na altura de Jesus, situações muito desconformes ao que era o plano de Deus e o plano social. Nesse sentido Jesus não condena a samaritana, mas condena alguns comportamentos que ela tinha, concretamente o saciar-se em fontes que não a saciavam, mas por detrás disso há algo mais fundamental, que é aquilo que ela representa. A Samaritana, como outras figuras do Quarto Evangelho, não têm nome, porque além de representarem pessoas concretas da história, factual, representam o povo, representam a comunidade cristã e a comunidade judaica.

O Povo Samaritano, depois da destruição do monte Gorizim, sem negar Javé, prestava culto a outros deuses. Havia uma idolatria religiosa, que é uma das críticas dos profetas. Por detrás da Samaritana há a história desse povo e está também um dado interessante, Jesus acaba por ser o sétimo marido. A plenitude, a aliança, a verdadeira água vida que encontra em Jesus, que vem estabelecer a aliança do povo, da mulher, da esposa, com Deus, que é o Esposo e o Senhor.

Jesus e a Samaritana
Há também a passagem do paralítico na piscina de Siloé, que estava lá há 38 anos… esses dados também apontam para uma comparação que não se entende lendo só à letra.
Claro! Havia uma freira muito simpática, muito calada, muito bondosa, mas que participava pouco no seu ambiente comunitário em termos de intervenção. Algumas das irmãs até se incomodavam. Ela retirava-se sempre para o quarto. Quando ela morreu e foi para o céu, pouco depois, alguém trouxe umas páginas que se tinham encontrado na rua e que se veio a saber que eram o seu diário. Todas as noites ela escrevia meia hora das maravilhas que via na comunidade. Quando a madre-superiora releu o diário, elas ficaram num pranto e felicíssimas ao mesmo tempo, mas as pessoas que tinham visto aquilo na rua, não lhes dizia nada. Isto para dizer que o Evangelho, quanto mais se está por dentro, quanto mais se experimenta, mais significado tem para nós.

De facto há uma tradição em Deuteronómio 2,14 que diz que o Povo de Deus andou 38 anos no Deserto às aranhas. Imagina-se ir a pé de Lisboa a Fátima e que isso demorava 38 anos. Foi o que lhes aconteceu, andaram 38 anos completamente perdidos, desorientados, sem referência, no deserto, sem terra, sem nada. É o que representa esse paralítico, mais profundamente falando.

De todas as passagens do Evangelho de São João, qual é o que mais o surpreendeu quando descobriu a “história” por detrás do texto?
Destaco dois momentos. O momento monumental, sinfónico, eterno, que é o momento da Glória de Cristo, a exaltação ou a elevação na Cruz, onde é coroado. Esta minha descrição pode parecer exagerada, ou desconforme, mas esse momento foi precisamente construído assim.

Depois a experiência do discípulo amado, do autor, aquele que nos dá o testemunho, que nasce e que está presente em todo o Evangelho precisamente a fazer essa experiência. Se virmos uma imagem ou um desenho do discípulo amado, do Apóstolo São João, vêmo-lo sempre a olhar ao alto e a escrever. É uma experiência fundamental de alguém que nasce, que vive, que é animado, gerado, que recebe uma vida e que depois a comunica.

Faz lembrar uma irmã de uma terra aqui perto, que tão generosa, queria ajudar a acabar com a pobreza e então dedicou-se ao campo e ao pomar das irmãs para poder dar muita fruta. Assim fazia, e trazia fruta, mas um dia desesperada foi ter com a madre a chorar porque estava tudo podre. Estava tudo podre porque ela tinha-se dedicado ao fruto e não à raiz e o fruto apodreceu.

Esta personagem do discípulo amado, que antes de amar é aquele que é amado, é genial. Porque só recebendo é que se dá, ou melhor, aquilo que damos é muito do que recebemos. A construção evangélica do Quarto Evangelho, de viver de uma vida que recebe, e testemunhar sem que saibamos exactamente quem ele é, é muito interessante.

Fala-se muito da autoria do Evangelho. É atribuído a São João, mas não será ele o autor…
Canonicamente falando, isto é, segundo o que está escrito no livro o autor é o “discípulo amado”, diz lá explicitamente que é o discípulo amado. O apóstolo São João nunca é referido pelo nome. Mas segundo a tradição, que provém de São Policarpo, diz-se que é São João.

Agora, seguramente terá sido uma comunidade que terá tido influência do apóstolo, e por isso dedicada a essa origem. Mas creio que mais importante do que entrarmos neste tipo de reflexão, que nos afasta do texto, é talvez de nos dedicarmos ao texto e ao que nos diz. Esta ideia do discípulo amado é genial, porque ele é definido pelo amor que recebe de Jesus, não sabemos quem ele é, o que é muito interessante.

Imaginemos que nos aparecia agora Nossa Senhora numa capela. O primeiro a chegar é que quereria ficar com o mérito, depois ainda poderia ter um altar em sua memória, mas a única primazia que o discípulo quer ter, é conduzir Pedro a Jesus. Se formos ler o quarto Evangelho, vemos que o discípulo amado cumpre dois principais papéis: Primeiro, está sempre atraído a Jesus, na última ceia está reclinado sobre o peito de Jesus, na cruz está na cruz, os outros estão dispersos. Quando vai ao sepulcro corre mais depressa que Pedro, está mais atraído. Fernando Pessoa dizia que o caminho mais curto entre dois pontos é um passeio entre dois apaixonados.

Os discípulos reconhecem Jesus na margem
No capítulo XXI, quando Jesus aparece na Margem, é ele quem reconhece Jesus. Depois, está sempre a conduzir Pedro a Jesus, sempre. Na última ceia Pedro pergunta ao discípulo amado quem é que o ia trair, e o discípulo amado pergunta. Quando vão ao sepulcro o discípulo amado corre mais depressa, mas não entra. Atrás dele vem o Pedro, mas quem entra primeiro é Pedro, porque o discípulo amado não entra, quer guiar Pedro. No capítulo XXI Jesus aparece, só o discípulo amado é que o vê, diz que é o senhor, e Pedro atira-se.

E no final, muito interessante, o texto diz que tinha corrido o boato de que aquele discípulo não morreria. Pedro pergunta a Jesus, então e este? E Jesus responde, se eu quiser que ele permaneça até eu voltar, que tens tu a ver com isso? Faz lembrar as bodas de Caná, “mulher, que tenho a ver com isso? Que temos a ver com isso? Temos tudo a ver com isso. É a questão da ironia. Portanto Pedro pergunta, e ele, não morre? E Jesus diz, que tens a ver com isso? Tu segue-me!

E então temos aqui uma pergunta interessante. Se o discípulo amado permaneceu, onde é que ele está? É tão simples como isto, ele permaneceu no testemunho que dá.

Testemunho é uma palavra que ocorre muitas vezes precisamente para nos dizer isto, que o discípulo quis permanecer não pelo seu nome, mas pelo seu testemunho. O testemunho é aquilo que ele recebe. O quarto Evangelho é o testemunho que nos é dado pelo discípulo amado, que o recebeu de Jesus glorificado.

Porque é que nunca vemos os sacerdotes a explorar e a explicar assim os textos nas homilias, por exemplo?
Essa pergunta, eu fi-la a um grande professor, hoje bispo, D. António Couto. Foi exactamente a mesma pergunta. Recordo-me da resposta: “É tudo uma questão de dedicação. Dedicação e valorização”. As realidades fundamentais da vida, o valor de uma família, não se descobre num momento e de repente, é uma experiência que se faz.

Creio que todos nós, todos padres, cristãos, a Igreja inteira e o nosso Papa, como todos que conheci, dão total privilégio à palavra, como não podia deixar de ser, a Igreja nasce da palavra, portanto há uma necessidade grande de irmos ao profundo das realidades e de não ficarmos no superficial das mesmas. Até porque o quarto evangelho, sendo um tesouro, uma fonte de vida, a isso obriga. Portanto todos nós padres, catequistas, cristãos, homens de boa vontade, somos chamados a aprofundar-nos. Há sempre algo a descobrir. A vida é movimento, é espiritual, é vida. Há sempre algo que se pode aprender e recriar. Portanto é uma questão de dedicação. Os próprios padres, cada vez mais valorizam isso, e nós próprios somos chamados à oração, cada vez mais intensa, como ao confronto com a palavra do Senhor.

Faltará um pouco essa dedicação, de conhecimento, a muitos padres?
Não diria assim tanto. Até porque o maior auditório que nós temos são as homilias, e a homilia não é propriamente uma aula, uma explicação do texto bíblico. É algo que vai para além disso. É algo diferente. Necessariamente vive do texto, tem a ver com a experiência da comunidade, tem a ver com a experiencia concreta, com o ambiente eucarístico e celebrativo. Agora, há experiências, vivo no Porto e posso testemunhá-lo, de comunidades muito interessadas. O que às vezes acontece é que os padres criam estas oportunidades, mas as pessoas estão mais interessadas em romances e textos superficiais que exigem menos aprofundamento que os textos sagrados.

E mais, existe um preconceito sobre o texto bíblico, como se fosse algo muito complicado, ou só para alguns, que não é assim. O quarto Evangelho, como dizia, é um descascar, é uma pérola que vai sendo desembrulhada. E à medida que vai sendo desembrulhada vai sendo valorizada. Nunca vi ninguém, mesmo as crianças, que conseguisse num instante abrir a prenda, mesmo que rasgue o papel todo. É preciso um empenho para abrir a prenda, depois de gozar a prenda. Muitas vezes andamos a correr, muito apressados, talvez isso nos falte a todos.

Gostaria de dedicar-se agora a outro Evangelho ou escrito bíblico? Ou vai continuar a dedicar-se a São João?
Em relação a este Evangelho há sempre mais, porque não tem fim. Estou agora a publicar a minha tese, sobre o conceito de unidade no quarto evangelho, do qual este livro é o primeiro capítulo de três. Antes de morrer, gostaria de apresentar um livro como este sobre os outros três Evangelhos, é um sonho que tenho desde criança.

A verdade é que no panorama nacional, puxando a brasa à minha sardinha, não há livros assim. Em português não há livros assim, também pela dimensão do nosso país. Eu gostaria imenso de apresentar um texto semelhante dos outros Evangelhos.

Há uma ligação entre todos os textos atribuídos a São João?
Obviamente estão ligados, é sempre a tradição joanica. A ligação entre o Evangelho e as cartas é evidente, há temas que se aproximam totalmente. Em relação ao apocalipse também, se bem que é diferente. Agora, em termos de tradição, e liturgicamente falando, e até pela importância, os Evangelhos, para nós cristãos, são o sumo maior, não só da Bíblia como da nossa experiência crente. Até porque para interpretar os Evangelhos não se pode ficar só por um, é um risco, e tenho noção disso. Em relação a Jesus, como homem que é e filho de Deus que é, uma perspectiva é sempre redutora. Estes quatro Evangelhos aproximam-nos de Jesus todo.

Wednesday 21 November 2012

Livro do Papa sim, mulheres bispo nem por isso...

(Não se assustem, o livro
em si é mais pequeno)
Claro que a principal notícia do dia é o lançamento do terceiro volume de Jesus de Nazaré. Ontem o Papa recebeu os editores dos diferentes países, hoje foi o lançamento da versão impressa e, em Portugal, do audiolivro.

Enquanto alguns (os mesmos que despedem os seus jornalistas que mais percebem de religião), preferem fazer títulos com vacas e burrinhos, a Renascença traz-lhe uma análise que esperamos mais séria.

Outra grande notícia é já de ontem à noite e vem de Inglaterra, onde os anglicanos rejeitaram, contra todas as expectativas, a possibilidade de ordenar mulheres para o episcopado. Se é daqueles que se sente perdido com as notícias sobre anglicanos, então talvez se sinta na pele do amigo imaginário com quem tive esta conversa explicativa

Uma boa notícia no Paquistão. A jovem menina cristã e deficiente mental que estava acusada de blasfémia viu o processo arquivado. Mas voltar para casa não deve ser uma opção.

E para quem se interessa pelo património artístico da Igreja, ou por Évora, ou mesmo pelos dois… um livro que é lançado amanhã.

Conversas imaginárias sobre “bispas” adiadas

Não. Se adormeceres passa mais depressa.
A Igreja de Inglaterra (Anglicana), decidiu ontem adiar o inevitável e, numa votação que apanhou todos de surpresa, rejeitou a possibilidade de ordenar mulheres para o episcopado.

Como quase tudo o que diz respeito à Igreja Anglicana, esta história é tremendamente complexa. Vou tentar por isso desvendá-la, imaginando uma conversa imaginária com alguém que não sabe nada sobre o assunto.

Então o que é que se passou?
A Igreja de Inglaterra, a mais antiga e influente das igrejas da Comunhão Anglicana, rejeitou uma proposta que permitira a ordenação episcopal de mulheres. Ou seja, na Igreja de Inglaterra não vai haver mulheres bispo tão cedo, pelo menos mais cinco anos, de acordo com as regras internas.

Uma maioria votou contra, foi?
Não. A esmagadora maioria votou a favor. Mas a Igreja Anglicana tem um sistema que obriga a que este tipo de decisões seja tomada por maioria de dois terços em cada uma das câmaras do sínodo, a dos bispos, a do clero e a dos leigos. A câmara dos bispos, actualmente, é composta só por homens. A do clero e dos leigos tem homens e mulheres. Globalmente três quartos dos membros do sínodo votou a favor.

Portanto foi mais um caso em que os bispos, só homens, impedem o avanço social contra a vontade dos padres e leigos esclarecidos?
Também não. Os bispos votaram esmagadoramente a favor, os padres também. Foi na câmara dos leigos que a medida foi chumbada, por uma unha negra, mais precisamente seis votos.

Quem é que é contra?
A Igreja Anglicana tem muitas facções. Entre elas a facção dos anglo-católicos e dos evangélicos. Os anglo-católicos são conservadores do ponto de vista litúrgico e depois alguns também são conservadores do ponto de vista teológico. Os evangélicos tendem a ser conservadores do ponto de vista teológico e liberais do ponto de vista litúrgico.

Neste caso a oposição vem de uma aliança entre anglo-católicos e evangélicos conservadores.

Mas não há mulheres bispo na Igreja Anglicana?
Há, mas não na Igreja de Inglaterra. O que levanta uma situação algo estranha de uma igreja que rejeita a ordenação episcopal de mulheres se encontrar em comunhão com outras, como por exemplo o Canadá, Austrália e Nova Zelândia, que aceitam. Aliás, nos Estados Unidos a Igreja é mesmo chefiada por uma mulher.

Mas em Inglaterra não há ordenação de mulheres, é isso?
Pelo contrário, há ordenação de mulheres mas só para o diaconado e para o sacerdócio.

Uma mulher padre a fazer figas antes da votação
Então esses tais conservadores são contra mulheres bispo mas aceitam mulheres nas outras ordens? Como é que é isso?
É mais complicado do que parece. Para começar eles não aceitam mulheres no sacerdócio e, na esmagadora maioria dos casos, estão reunidos em paróquias que são servidas exclusivamente por homens.
Mas há aqui uma diferença importante. É que para um cristão que não aceita a ordenação de mulheres qualquer acto sacerdotal que ela pratique é nulo. Por isso, a Eucaristia celebrada por uma mulher não seria um acto verdadeiro, não haveria consagração, por exemplo. Isto é importante para os anglo-católicos. Para os evangélicos é a questão da tradição de os líderes das comunidades cristãs serem homens, uma vez que não tendem a acreditar na Eucaristia e nos outros sacramentos que dependem do sacerdócio, como acreditam os católicos e os anglo-católicos.

A diferença é que os bispos podem ordenar sacerdotes e aí o caso muda de figura, porque para quem não acredita na validade das ordens femininas, isso implica introduzir na linhagem episcopal ordens inválidas, o que por sua vez afecta todos os outros sacramentos. Por exemplo um homem que fosse ordenado por uma mulher não seria um padre válido, e por conseguinte os sacramentos que celebrasse seriam inválidos etc. etc. etc.

Então nunca vai haver mulheres bispo na Igreja de Inglaterra?
Provavelmente vai. Se forem respeitadas as regras da própria Igreja, então o assunto só pode voltar a ser discutido daqui a cinco anos. Veremos nessa altura se os conservadores consolidaram a sua posição ou ficaram mais fracos. Mas há a possibilidade de o Governo e os tribunais intervirem antes disso.

Como?
A Igreja de Inglaterra é a confissão oficial do Estado, por isso tem de responder perante o poder político. Os políticos ficaram furiosos com a decisão de ontem e já se fala em acabar com a isenção que a Igreja tinha em relação à lei da igualdade, que proíbe a discriminação laboral em função do sexo. Se isso acontecer a medida poderá mesmo ser imposta judicialmente ou politicamente. A acontecer isso levantará toda uma outra discussão sobre liberdade religiosa…

Mais dúvidas? É também para isso que existe a caixa de comentários, tentarei fazer os possíveis para vos esclarecer.

Filipe d'Avillez


Para quem se interessa por “anglicanices”, há também estes posts que poderão gostar de ler:

Uma missa extraordinária – Com imagens de uma missa celebrada por uma comunidade de ex-anglicanos, agora católicos

Anglicanos e ordinariatos – Perguntas e respostas – sobre o ordinariato católico para ex-anglicanos


Monday 19 November 2012

Tronos, coroas, constituições e propostas

Papa Tawadros II já entronizado

No seminário de Leiria 17 jovens ouviram a pergunta: Ser padre, porque não?

O Patriarca de Lisboa está preocupado com a construção de algumas igrejas. Nós também.

E no Egipto foi ontem entronizado o novo Papa dos Coptas. Tawadros II começa logo com um grande desafio numa altura em que todos os cristãos abandonaram a Assembleia Constituinte porque dizem que os islamitas estão a fazer uma Constituição para um país islâmico.


Atenção malta do sector social...

Este post é uma proposta para todos os que estão envolvidos na área social, seja através de organizações religiosas ou seculares.

Há alguns anos escrevi “As Aventuras de Cosminho – A Gloriosa História do Benfica”. Agora que o livro já não está nas livrarias comprei os fundos de catálogo à editora e estou a vendê-los por mim.

Contudo, gostaria também de tentar ajudar instituições de valor. Por isso proponho a quem estiver interessado, como por exemplo centros paroquiais, IPSS etc. um sistema de venda à concessão em que dividimos o valor final. Assim eu livro-me de algumas das caixas que tenho lá por casa (para alegria da minha mulher) e, se Deus quiser, vocês ganham alguma coisa para ajudar no vosso trabalho.

Quem estiver interessado deve contactar-me directamente para acertarmos detalhes.

Desde que criei este blogue tenho tido o maior cuidado de não misturar a religião, uma das minhas paixões, com o Benfica, outra paixão, porque me parece mais seguro para toda a gente. Assim peço aos não-benfiquistas que não entendam esta proposta como uma provocação e asseguro-vos que não permitirei que isto se torne uma discussão sobre futebol.

Obrigado pela vossa paciência!
Filipe d’Avillez

Thursday 15 November 2012

Bispos, cardeais e idosos

Parabéns pelos quinhentos anos!
Terminou hoje a Assembleia Plenária da Conferência Episcopal. Os bispos lamentam que a Igreja não tenha sido tida nem achada pela troika e deixam um apelo: “não apertem demais, porque precisamos de respirar”.

Mudando de bispo, o auxiliar de Lisboa D. Nuno Brás falou ontem no debate na Renascença sobre o Átrio dos Gentios que “pode mostrar que Cristo não saiu de moda”. A questão demográfica também foi abordada.

Passando de bispo para cardeal, mas recuando cinco séculos… O cardeal-rei D. Henrique faria anos hoje. Évora não o esquece.

E está agora a ser lançado um livro que visa angariar dinheiro para a paróquia de São Nicolau ajudar os idosos da baixa. Conheça os detalhes aqui.

O nosso grupo no Facebook já conta com 748 membros! Vá, só mais dois para chegarmos aos 750! Voluntários?

O católico da máscara

Não pretendo insinuar que não possa haver católicos nas manifestações contra a austeridade, mas não deixa de ser irónico que a máscara escolhida sobretudo pelas facções mais violentas, como foi visível ontem, seja uma representação de Guy Fawkes, um activista católico que foi martirizado em Inglaterra depois de ter sido apanhado a tentar fazer explodir o parlamento.

A máscara de Guy Fawkes popularizou-se com o filme "V de Vingança" e rapidamente se tornou o símbolo da revolta contra a globalização e outras causas do género, usada particularmente pela organização informal "anonymous". Ontem estava bem presente entre os manifestantes à frente da Assembleia da República.

Nunca, contudo, a ironia foi tão clara como quando os Anonymous decidiram atacar o site do Vaticano. Guy Fawkes certamente não teria aprovado...

Wednesday 14 November 2012

Inverno demográfico e greves gerais

José Avelino Bettencourt
Mr. Protocolo na Santa Sé
Quais são os países que têm índices de fertilidade inferiores a Portugal? Ora bem, temos a Bósnia e… só a Bósnia mesmo.



Os Açores são a região mais católica de Portugal. A Madeira também fica à frente do continente. Seria interessante saber se isso se reflecte a nível de taxas de fertilidade…

E por falar dos Açores, foi lá que nasceu o chefe do protocolo do Vaticano, nomeado hoje.

Por fim, referência ao Tibete. Ontem soube-se do 70º caso de auto-imolação. Os chineses, claro, culpam o Dalai Lama…

Make kids, not strikes!

A caminho de Portugal para ver como se reduz a fertilidade
Este blogue existe para dar destaque a assuntos religiosos e analisar a forma como se interligam com a actualidade nacional e internacional.

Há coisas que são explicitamente religiosas, mas há outras que não sendo explícitas mexem com tantos valores religiosos que também precisam de ser vistas e analisadas. Tudo o que diz respeito ao “inverno demográfico” entra nessa categoria. A fertilidade e o facto de em Portugal nascerem tão poucas crianças que a própria existência do país está ameaçada a médio prazo, não terá directamente a ver com religião, mas tem certamente a ver com um choque de valores que tem importantes implicações religiosas.

É por isso que a Igreja Católica fala tantas vezes do problema. Uma sociedade que rejeita Deus acaba, progressivamente, por rejeitar a própria vida. Num mundo onde a religião é letra morta, o meu conforto passa facilmente a ser o único bem que urge preservar e por consequência encaro os meus filhos (sobretudo quando ainda não os tenho), como uma mera extensão da minha auto-realização, a realização de mais um projecto de vida.

A visão religiosa da vida é diametralmente oposta a isto e penso que posso generalizar no que diz respeito às religiões, isto não é apenas uma questão católica. Os filhos não são “nossos”, são-nos confiados. Através da paternidade tornamo-nos co-responsáveis da criação de Deus. É uma missão da maior dignidade e importância.

Temos consciência e temos razão. Temos também formas de controlar os nascimentos, sejam artificiais ou naturais, ao nosso dispor. Podemos por isso decidir, na medida do possível, quantos filhos queremos ou podemos ter. Mas com que critérios optamos? A sociedade encoraja-nos a usar como bitola o conforto, não só o nosso mas o dos filhos também. Poderemos dar-lhes tudo o que precisam? A fé encoraja-nos a usar a bitola da generosidade e a perceber que se calhar aquilo de que os nossos filhos “precisam” não seja exactamente o que a sociedade considera importante. Uma criança ganha mais com uma consola do que com um mano? Duvido.

Num almoço ouvi recentemente um comentário que me pareceu certeiro. Vemos tantas pessoas nas manifestações, ainda hoje mais milhares, todos a reivindicar os seus direitos. Todos pedem maiores compromissos, do Estado, das entidades patronais. Exigem-se contratos laborais que são, sem exagero, mais difíceis de romper que os casamentos.

Mas nas suas vidas pessoais que fazem estas pessoas? Põem em prática essa lógica do compromisso? Casam-se? Têm filhos? Está à vista que não.

É claro que deve haver muitos exemplos de bons pais de famílias numerosas que são ateus e também participam em manifestações. Ainda bem que existem! Mas a tendência não é essa, os números não mentem. Só na Bósnia, actualmente, é que nascem menos crianças por mulher do que em Portugal.

A este ritmo bem podem fazer as greves e manifestações todas agora, porque quando chegar a vez dos nossos filhos não vai haver mais Estado social para preservar.

Filipe d’Avillez

Monday 12 November 2012

"Oração dos idosos sustenta o mundo"

No dia em que a filha de um pastor evangélico veio a Lisboa e parou o trânsito, outras coisas se passaram no mundo.

O Papa Bento XVI visitou um lar de idosos e deixou palavras muito fortes e muito importantes sobre a velhice. Diz Bento XVI que a qualidade de uma civilização julga-se no modo como os idosos são tratados. Amen!

Os bispos vão falando sobre o actual momento de crise em Portugal. D. António Couto espera que o Governo se deixe de atitudes derrotistas.

Friday 9 November 2012

Prisões e transcrições

Voluntários da Prison Fellowship International em acção
Já é oficial. Justin Welby vai ser o novo Arcebispo de Cantuária a é empossado em Março de 2013.

Hoje chega ao fim os 40 dias de Oração pela Vida. Falámos com Paula Pimentel que nos fez um balanço da iniciativa.

Também hoje publica-se uma entrevista com membros da Prison Fellowship International, uma organização de voluntários prisionais. Este é um trabalho crucial para a sociedade, como fica claro depois da leitura da reportagem.

No blog podem encontrar a transcrição completa das entrevistas com os dois membros internacionais da PFI e com o representante do ramo português, José Sousa Mendes. São textos longos mas fundamentais para quem quer conhecer esta realidade.

Se não veio hoje ao auditório da Renascença assistir à conferência sobre a música clássica e a fé, às 21h30, então saiba quando são as próximas sessões.


Mais vale tarde que nunca! Hoje publiquei também no blogue a transcrição completa da entrevista feita a semana passada a um bispo copta sobre o novo Papa daquela Igreja. Também vale a pena para quem se interessa por essas partes do mundo.

"Estado anda demasiado preocupado com a vertente da segurança"

Uma prisão da APAC, no Brasil, onde
os reclusos guardam as chaves
Transcrição integral da entrevista a José Sousa Mendes, presidente da Confiar, ramo português da Prison Fellowship International. Ver aqui a notícia.

Tem ideia do resultado prático do trabalho que fazem em Portugal, a nível por exemplo da reincidência?
Não temos recurso a estatísticas muito seguras, e muitas vezes as estatísticas enganam um bocado. Agora, é verdade que há uma reincidência significativa nas prisões portuguesas. Isso deriva justamente do facto de o sistema estar muito estratificado. Não gosta de evoluir, embora haja pessoas de grande capacidade e de grande interesse pelas pessoas, a nível oficial. Mas a realidade tem as suas rotinas e é muito difícil fugir das rotinas. Sobretudo no campo dos guardas, por exemplo. O guarda tem de cumprir aquela rotina, porque se não cumpre ele vai sofrer e depois sofre toda a cadeia de comando.

O que vejo é que não tem sido fácil influir numa mudança de mentalidade. Pensar que mesmo de um ponto de vista estritamente egoísta e económico do Estado, é evidente que se o sistema pudesse mudar teria grandes vantagens para o orçamento, ajudaria a preencher o défice, porque são despesas enormes sobre os quais não falamos porque estamos muito influenciados pela vertente da segurança. Por exemplo neste tempo de crise a criminalidade tem aumentado, a população prisional tem aumentado para níveis que não se conheciam desde há anos. Tudo isso, de algum modo, só pode ser evitado se tivermos outra visão das coisas. Essa visão tem de ser humanista, isso tem de ser uma preocupação prioritária das pessoas que trabalham no sistema.

Outro factor importante é o sistema estar aberto ao voluntariado. Como se diz no Brasil, na APAC, e eu falo da APAC à vontade porque me fiz preso numa prisão da APAC durante uma semana para saber como é que era, eles dizem com toda a razão: “Nós confiamos no voluntário porque sabemos que vem aqui por amor, não é por interesse nem para ganhar dinheiro”. Esse é o ponto essencial. Se houver capacidade para receber os voluntários nas prisões, e nós percebemos que se nos derem muita largueza, somos um factor perturbador, porque pomos em causa rotinas, atitudes, mentalidades e a necessidade de se olhar para o preso como uma pessoa, por muito má que tenha sido. E se fizermos isso logo no primeiro momento em que a pessoa entra na prisão temos logo que começar a agir para mudar essa mentalidade para a tornar uma pessoa útil à sociedade. Mas se não o fizermos, dependendo das prisões, há muitas pessoas que aprendem a serem ainda mais criminosos do que já eram.

A nível de mudanças ao sistema, que coisas são urgentes?
Há uma coisa que o Estado devia perceber desde logo. É que esta área é da responsabilidade da Sociedade Civil. Do Estado também, claro, mas o Estado está demasiado embrenhado na questão da segurança, e portanto, como tem poucos recursos, não sai dessa visão, nomeadamente agora numa altura de grande crise, não quer fazer ondas.

É preciso fazer de outra maneira, seria necessário o Estado e as autoridades prisionais aceitarem melhor a presença de pessoas que se interessam pela mudança do sistema com o único intuito de salvar as pessoas, transformando as prisões em salva vidas. Podemos perguntar a qualquer director de prisão, a sua prisão salva vidas ou não? Esta é a pergunta fundamental. De facto sabemos que isso não acontece muito, inclusive pela reincidência.

Estamos a perder em várias frentes. Primeiro porque há uma grande reincidência e a sociedade não se altera, depois porque estamos a gastar dinheiro que no fundo não tem sentido. Agora, isto é um problema profundíssimo, de longo alcance. Estamos no final da escala da vida do homem. Ele devia ter sido educado, devia ter tido uma família. Viveram pelas ruas, com más companhias, com droga.

Como se explica a uma pessoa que está presa, que tem de respeitar as regras da sociedade quando, muitas vezes a face dessas regras são, não querendo generalizar, polícias que não passam de criminosos com farda, sistemas prisionais em que os guardas traficam droga, por exemplo?
Exactamente. Eu sou voluntário há 14 anos nas prisões e a única maneira que vejo é essa, criar uma relação de confiança com o recluso, o que pode ser feito com os voluntários. A pessoa olha para o recluso e sabe que é uma pessoa humana e por isso põe-se em pé de igualdade. Depois, lentamente, vai escutando o que tem para dizer. Às vezes reconhecem que estão lá porque fizeram alguma coisa errada. Mas depois lentamente vem todo o rol de desculpas, que são razões, mas que não tiram a responsabilidade, porque temos sempre uma responsabilidade. É um problema mental, de levar essa pessoa a entrar profundamente em si própria, para ser sincera consigo própria.

Na APPAC, por exemplo, quem é que faz a gestão das prisões? É um conselho de presos recuperandos, como se chamam, que se chama Conselho de Solidariedade e Sinceridade. Esta sinceridade é fundamental. As pessoas estão num ambiente em que os valores já são outros.

Como é que se altera isto tudo? Só como se fez no Brasil, através de sistemas piloto. De nada serve estar a fazer um decreto-lei geral e abstracto, com normas. Isso não tem vida. Precisamos de vida. Então é preciso encontrar as pessoas certas e tentar uma experiência piloto. São prisões pequenas, os da APAC, cento e tal reclusos, no máximo. É preciso dar-lhes a importância que merecem e que não se lhes pode tirar. Já não basta terem perdido a liberdade, não podem ser humilhados de mais, têm de perceber a sua dignidade humana.

Mas isto só pode ser através de experiências piloto, não se trata de escolher as pessoas a dedo. Tanto lá pode estar um sujeito condenado por homicídio como outro que roubou uma coisita qualquer. O que interessa é que ele, à entrada, se responsabilize por cumprir os regulamentos da prisão, que é um regulamento muito humano mas muito exigente. É falso pensar que o recluso não respeita a disciplina e não entende, porque eles dizem muita coisa da boca para fora, mas quando se lhes pede responsabilidade querem logo agarrar-se a uma coisa concreta, objectiva.

Portanto só tenho a dizer isto. Confiar, confiar no homem, independentemente do que ele fez, sempre na certeza de que ele pode e deve ser transformado. Mas o papel do voluntário é acreditar no que faz, fazê-lo primeiro ele e através dessa atitude mostrar que as coisas podem ser diferentes e que há um caminho de salvação.

"Encouraging stories? Do you have all day?"

Full transcript of interview with Timothy Khoo and Dominique Alexandre, of Prison Fellowship International. Unless otherwise specified, answers are by Timothy Khoo. See news report here.

Transcrição complete da entrevista a Timothy Khoo e Dominique Alexandre, da Prison Fellowship International. Salvo indicação em contrário, respostas são de Timothy Khoo.

What exactly is the work that you do?
Prison Fellowship is an association, we were 124 countries two days ago but have added Guatemala, Dominica and Guiné-Bissau, so we are now 127 countries around the world. The work of PFI is the provision of services and coordination of these affiliates. We don’t do the work directly, we rely on them to do the work.

What work are we talking about?
Work with prisoners, former prisoners who have been released, and whilst the prisoner is in prison, the families of prisoners. Some countries do preventative work with youth at risk, others work with victims. Some, additional to that, work within the system, in an area we call restorative justice.

Anything to do with the criminal justice system, from the time of being caught, to sentencing, incarceration and release and following through after that.

In general do you manage to work well with the state?
Each jurisdiction is different, but generally speaking, around the world, we have a good working relationship. In countries where security is a greater concern there would be more restrictions in terms of volunteers being able to go in, but generally speaking the prison systems are very open to what we do, but we are also sensitive to security issues and the needs there, and we don’t impose our set vision of what we think needs to happen.

Why should society as a whole worry about how we treat prisoners?
The main reason is very logical. The vast majority of prisoners will eventually be released into the community. If there is an intervention to help them look at life differently, turn over a new leaf and, from our perspective, experience an encounter with God and a transformation in their lives, often what happens is that they go into prisons with one set of criminal skills and unfortunately they learn new skills. If there is no intervention they are going to come out worse. So that is obviously a concern to society. So the work of Prison Fellowship, in terms of intervention, becomes critical, we want to work ourselves out of a job, so that those that go in don’t get drawn back into the cycle.

Some of the statistics are staggering. In Brasil, for example, the recidivism is sometimes as high as 80%. So 8 out of 10 prisoners will go back into the system. But in Brasil there is a project called Associação Para a Protecção e Assistência aos Condenados (APPAC). And they have been doing it for 35, almost 40 years. And whereas the rate of recidivism is 80% over three years, with APPAC it is 12%. That is just over one person in every 10 goes back to prison.

So on one hand you have safer streets, but you also have an effect on the budget, because when criminals go to prison the state has to pay to keep them there, so the less of them go in, the less the state has to pay for housing, clothing, keeping them. So it is not logical to say leave them there, because most of them are going to come out, what happens when they do? So the intervention that Prison Fellowship around the world brings is really to cooperate with society and Government, to help alleviate the problem of crime.

This is a Christian project…
It is a Christian based organization. We have seen evidence of where, when a person has an encounter with God, and their life is changed, that often results in a mindset shift which helps in that journey away from what they have perhaps known all their life, which is crime. There has to be that point in their life where there is a 180º turn.

How do you reach people who live from crime and for crime, for whom an encounter with God is probably the last thing on their mind?
In some respects that is true when they are on the streets. But when you get to prison the experience is that your life is suddenly stripped of everything. Your freedom, your sense of dignity, self-esteem, self-worth. You are literally at the bottom of what life can throw at you. It is usually at that point in time that you begin to think of the larger reality of your life. So quite the on the contrary, I think there is a greater openness of prisoners in terms of their spiritual life than what you might think, because they are at the bottom of the barrel.

This is an ecumenical movement. Do you do any interreligious work as well?
For example in the Middle East. In Egypt, in Minya, which is known for extreme Islamic views, Prison Fellowship International operates largely out of Minya, where a Catholic priest and an Imam formed a group called Hand in Hand. When it comes to prisoners the needs are so immense that you can’t act alone, you have to work together. Whilst we each have our own beliefs we are not there to convert each other, but to serve the needs of prisoners.

Prison Fellowship International was founded where?
The organization was founded in the states. But in many countries prison ministry already existed, by other names, and we invited them to be part of the organization, to make things more efficient.

What is the reality of the prison systems in Western Europe?
Dominique: I can underline the fact that in Switzerland, Northern Europe, Sweden, Norway, Netherlands, the prison system treats the prisoners with more dignity than in Latin and southern Europe. In a way the system is more advanced.

What is it like to reach out to someone, try and help them, and then see them come out, commit a crime and all the work was in vain?
I think people who work in prison fellowship are generally very resilient. Because you are right, it is painful and disappointing that somebody you have worked with for a couple of years goes out, seems to be doing well, and then falls again and ends up in prison.

But the heart of the Gospel is that there is hope, even if we fall once, or twice, or three times. One thing we look at is how long were they out for? If it is like a revolving door, and they are in again after one month, but the next time it’s a year or two years, and ultimately they stay out altogether. We have to have a long term perspective.

There is a subculture in prisons, a sense that somebody who has grown up on the streets and knows nothing else, not a day of work, just picking pockets, breaking into people’s homes… you have a whole mind-set that needs to change. When you have an encounter with God it is easier, but there are years and years of learning which need to be unlearned. It’s not that if you do a good job the person should come out and never go back again. You have to take a long term view.

However, some cases, like the Brazilian APPAC, do give you a much greater level of success.

How about the people you want to help, but they are just not interested?
You have to give somebody a measure of freedom of choice, but the idea is that success breeds success. When they see a change in another inmate, they see that that person is able to stay out of prison longer or altogether, then they say that there is something they are missing. Because prison life is not a life, the sense of deprivation of human freedom is a huge loss.

It’s one of those situations where those who are successful tend to pique the interest of those who do not seem interested, but there will always be those who are no interested at all, but that is something we just have to live with.

Dominique Alexandre, à direita
You also work with families of people who are in prison, how important is that work?
Dominique: We have a special programme, Angel Tree, it is a programme for children of prisoners which helps the parents, father or mother, who are in prison, to get together to strengthen the family link between them through Christmas Presents. This is with the help of volunteers who go to meet the incarcerated person, help him write a letter and choose a present which then the volunteer might buy on his or her behalf and give to the child, or then organize a meeting; it varies from country to country.

We also have summer camps for children of incarcerated parents in many countries. We really consider the children of incarcerated parents as a very important target, because the experts say that a child who has a parent in prison is five times more likely to go to prison himself one day. So it is prevention for these people, and it is also a way to help them not to be stigmatized, because it is very easy for them to become victims of how people look at them at school because they have parents in prison.

Also, outside of Europe children are incarcerated with their parents in some countries.

Until what age?
Sometimes indefinitely, we have seen cases of kids in their early teens incarcerated with their parents.

And subject to the same conditions?
Essentially, and probably worse, because of potential abuse. Families and kids are very important because the families, if you think about it, are innocent victims of crime. It’s not their fault that their father committed a crime. They suffer the consequences of that person’s offending, and there is a high likelihood of them ending up in prison, so it is breaking that cycle.

It must be a tough judgement call. On one hand I understand the importance of establishing and maintaining a connection between children and their incarcerated parent, on the other, you probably don’t want some of these people to have much contact with their kids…
It’s a good point, but I think what we’ve seen is that when a father begins to see his responsibility as a father, that softens him to another reality. Because up to the time of incarceration some of them didn’t have a clue how many children they had fathered.

Now you still have that, some of them will never want to have any contact with their kids, so in a sense it’s a self-filtering process. But those who do, even if they are a bad example… a child always needs his father, will always look up to him, even if he is a criminal. Change the father, you change the child. We have seen wonderful examples in which the person in prison for the first time realises his responsibility as a father.

In some respects it is a tough balancing act, but we’ve seen that when a man takes on his responsibilities it changes his perspective and makes him more amenable to change as well.

I take it for granted there are exceptions where the father has been abusive…
Of course. We know from the system what the prisoners are in for, and if it’s a crime against their own family… But having said that we’ve had situations in which we had reconciliation programmes, because whereas the physical separation is necessary, the emotional and spiritual reestablishment of that bond is something that can happen. So we have these programmes, not only between victims and offenders, but between offenders and their families as well.

So you work with victims as well?
Dominique: Yes, it is a priority. In Italy we had a programme called the Sycamore Tree programme where victims and offenders in prison come together and, over six or eight weeks in sessions we share and the offender will grow in the understanding of the impact of his crime and how it has affected the victim. It is not his victim who is in front of him, but a victim who has suffered from crimes. The testimony of the victim raises awareness of the offender to the impact of the harm done and helps him to enter into a process of being sorry and willing to repair the damage done, in as much as he can.

Sometimes it’s just writing a letter saying how sorry he is, when it comes from the heart, that can help to heal the victim’s heart, because the victim also needs some support in understanding that the criminal has also been a victim, during his childhood, and that helps the victim enter this healing process.

In Italy we brought together victims and offenders of the Mafia network and it has been very productive in that people, after the sessions, gave their testimony saying that they are not the same people and that they feel reconciled with the offenders, with themselves, with God and with society in general. This is an example, but they are really a priority in our organization.

Have you ever been in situations of danger?
Threatened, probably not. We have at least a hundred thousand volunteers worldwide, so somebody may have had that experience that I don’t know of, but generally speaking they never raise the issue of personal safety. Prisoners have the idea of honour among thieves. When they see a volunteer come in, with no agenda, not paid to do it. There is a purity of motive there which the prisoners appreciate. If anything, I think they would have protection against other criminal elements inside the prison.

Manipulation, yes. Again, when you’re dealing with prisoners who have, all their lives, seen life from a very different perspective, antisocial behaviour and manipulation are clearly there. That is why training is so important, to help the new volunteers understand that they are dealing with people who are completely different from anybody you have dealt with before, there will be manipulation and you have to be prepared for that.

But personal safety is really not a huge concern for most of our volunteers, the purity of motive is appreciated. Because many of these prisoners have never had a visit before, they have no family, they have been completely cut off. The very fact that somebody is interested in them, with no other agenda, is powerful, life giving.

How about success stories, stories that have touched you?
Do you have all day? There are Many.

One I encountered not too long ago in Singapore, it’s part of a faith based programme. Forty guys who have been in prison, some of them upwards of 20 years. Many of them are part of these secret society mafia organizations, but they renounce that. They actually stand in a yard in front of 500 other prisoners and renounce their links to the secret societies.

Another thing they do, they have tattoos covering every square inch of their bodies, which show their affiliations, and half of these guys decided to remove the tattoos from their bodies, which is a hugely painful process. And I asked them why they did these things.

And one of them looked at me and smiled a toothless smile and said “because I am a son of God. I have a new boss. I am a new man”. As Paul says in Corinthians, if anyone be in Christ he is a new creation, all things have passed away, all things are new”.

And these men have embraced their fatherhood, they have embraced their wives, they have asked their wives for forgiveness, some of them wanted to reconcile with their victims. That, to us, is why we do what we do.

In these situations would they be putting themselves in danger?
Absolutely! When they come out they are at risk of being taken out by an unhappy boss, but they realize that this encounter with God is so powerful that they are willing to do anything and take their rightful place in the community. But again, honour among thieves, the boss might say that he made a free choice, and respect that.

Dominique?
I have many stories, but I think particularly of one inmate in Switzerland, called Ludovic, and he has completely changed. He said to the volunteer, “since you started visiting me I am a new person, this is a new life for me.” The guards also noticed this change. He avoided a riot in the prison saying that they needed to find peace and avoid violence. Whereas before the visits he didn’t want to hear anything about God or religion, and he was quite violent. His behaviour has changed completely and he has opened to God. This is through the fact that he has had a visit, a human presence. The volunteer didn’t even speak of God, but he was there to tell him that he was someone important and that somebody was caring for him. That was the start of a change for him.

There are many different programs, some secular, others state run, yours is a Christian programme. What is the difference?
The key word is transformation. Most programmes, as good as they are seek to bring a level of rehabilitation, change the person, but when you are dealing with a sub-culture which is completely different, the whole notion of rehabilitation is incremental at best.

But when that person has an encounter with God, that transformation is where we think is the key, that personal relationship with God becomes a key trigger for, again, an 180º turn. The 180º happens quicker with an encounter with God than it does with an incremental rehabilitation.


Voluntários europeus da PFI
It’s not that these other programmes don’t work, but what you want is to really get to the heart of the person, help them see. And Sycamore Tree programme really does that, makes them take responsibility for their crime. Because the vast majority of criminals will tell you they are not guilty, not because they did not commit the crime, but because it is their parent’s fault for neglecting them, it’s societies fault for not giving them a job, it’s everybody else’s fault, there is no responsibility. The transformation doesn’t quite happen, they will find another justification for doing what they are doing. But when they take responsibility then they see that they need to change. Not society. And that, to me, is why there is such significant success in programmes like APPAC and other faith based programmes such as the one in Brazil and in other parts of the world.

Dominique: I would add one word. Our ministry is based on Matthew 25, of course, when Christ says “I was in prison and you visited me”. We try to look for the presence of Christ in the prisoner. So even if there is only 5% of good in this prisoner, and 95% bad, the fact that he starts to look to this presence of God, just through the fact that we start a friendship with him and start to trust and care for him, this part will grow and God is, little by little, taking his place in his life.

Partilhar