Sunday 7 April 2013

Projecto "Tudo é Vaidade II" ajuda organização de apoio aos sem-abrigo

Jónatas Pires com alguns dos "fãs" mais especiais
do Tudo é Vaidade II
Transcrição integral da entrevista ao músico Jónatas Pires e a Alfredo Abreu, da Serve the City - Lisboa, a propósito do projecto "Tudo é Vaidade II". Podem ver e ouvir a reportagem aqui.


Qual a história por detrás do disco Tudo é Vaidade?
Divido a autoria das letras com o Kohelet, que escreveu o Ecclesiastes, porque fui basicamente inspirar-me no que ele tinha escrito e essas canções são basicamente um retratamento do Eclesiastes do princípio ao fim.

A ideia nasceu no verão de 2011 quando me pediram que fizesse uma canção para cada dia do acampamento da Juventude Baptista Portuguesa, onde íamos estudar o livro de Eclesiastes. Depois surgiu a ideia de pegar nas músicas e fazer um disco e pareceu-nos bem usar o disco para servir um propósito maior que o deleite auditivo. Tínhamos conhecimento de um projecto social que existe em Rabo de Peixe, na Ilha de São Miguel, que consiste em fornecer senhas de alimentação a crianças que não têm acesso a mais de uma refeição completa por dia.

Todo o percurso foi feito ao longo de alguns meses. O disco saiu, começou a ser vendido directamente às pessoas, e pela internet, e conseguimos enviar cerca de 6500 euros para lá o que resulta em hoje em dia estarem cerca de 52 crianças a serem apoiadas diariamente com refeições pagas e mais algumas ajudas a famílias e crianças fora de Rabo de Peixe.

Essa estrutura que ajuda as crianças em Rabo de Peixe já existia?
Sim, o projecto começou com dois professores colocados em Rabo de Peixe. Depois de perceberem das necessidades gritantes que havia entre os alunos começaram a pagar do próprio bolso as senhas a alguns alunos. Depois foram apelando a amigos e foi-se espalhando, e como foi crescendo foi chegando mais dinheiro e criaram uma estrutura.

Ainda são professores mas continuam a colaborar com pessoas de lá, incluindo os técnicos do Rendimento Social de Inserção, para identificar os casos de maior necessidade. Os apoios são dados directamente às crianças, os cartões da escola são carregados e com isso eles podem comer.

Quando existe uma necessidade mais imediata, por exemplo para uma família que de repente se vê sem nada, sem comida para uma semana, já aconteceu terem de dar uma ajuda directa mais pontual.


Agora surgiu a ideia de fazer um novo disco mas com um enfoque diferente.
Sim. Não nos desligámos do anterior projecto, as pessoas podem continuar a contribuir e a comprar o disco, mas também, desta vez, eu ao experimentar ter ido a um jantar comunitário do Serve The City, senti logo uma vontade muito forte de os poder ajudar da mesma forma, e de escrever canções que tivessem a ver com as pessoas que frequentam esses jantares, e o que elas passam.

Foi sempre com uma perspectiva de poder, através da música e das palavras, as pessoas que atravessam um inverno quase permanente, poderem encontrar pelo menos um cheiro de primavera naquelas canções.

Abordei o Alfredo e eles foram muito generosos na forma como acolheram a ideia.

Alfredo, o que é o projecto Serve the City?
Somos uma organização inspirada por Cristo mas aberta a todos. É uma organização de inspiração cristã mas que congrega pessoas de todas as convicções para servir a cidade. Esta ideia de serviço é também muito ligada a Cristo, que se apresentava como aquele que vinha servir e não para ser servido.

O nosso objectivo é dar alguma coisa da nossa vida para tornar a vida dos outros melhor, e mobilizamos pessoas para projectos de voluntariado. O primeiro grande projecto que tivemos foi este, os jantares comunitários, que inicialmente era destinado exclusivamente a sem-abrigo, mas começámos a descobrir que na comunidade das pessoas que vivem na rua há não só pessoas sem-abrigo, há imigrantes ilegais, toxicodependentes, idosos isolados, muita gente isolada, que vão às carrinhas das diversas organizações buscar algum tipo de alimento.

Foi para eles que criámos este jantar comunitário, que acontece, por enquanto, de quinze em quinze dias e que serve cerca de 250 refeições. O objectivo não é a comida, porque àquela hora em vários lugares de Lisboa há comida disponível para as pessoas da rua. O nosso objectivo é criar um espaço seguro, confortável, onde as pessoas que estão na rua ou que vivem na margem, que se sentem excluídas da sociedade, possam sentar-se à mesa com os nossos voluntários para partilhar uma refeição durante duas horas, o seu percurso de vida, simplesmente partilharem o que lhes vai no coração.

Temos parceiros católicos, a Comunidade Vida e Paz, budistas, o Centro de Apoio ao Sem-Abrigo, protestantes, o Exército de Salvação, a Câmara de Lisboa, a Associação Conversa Amiga, que penso que não tem nenhuma filiação religiosa. Todas estas organizações que já fazem um acompanhamento das pessoas da rua depois vêm sentar-se à mesa com as pessoas que habitualmente servem nos vários lugares da cidade, e aí sim desenvolvem-se relações mais profundas, permitem conversas que vão além do circunstancial. O objectivo não é dar comida às pessoas, é darem-lhes a oportunidade de se sentirem pessoas.

Esta ajuda que poderá vir, se o projecto correr bem, é importante para o vosso projecto…
Sim, porque servimos uma refeição, que tem custos. E não imputamos esses custos aos nossos voluntários, nem às pessoas que vêm da rua. Alguém tem de pagar os jantares, não há jantares grátis. Andamos sempre à procura de patrocinadores, portanto este apoio do projecto do Jónatas permite-nos libertar tempo que gastamos à procura de recursos para aumentar a nossa resposta de acompanhamento das pessoas que estão na rua.

Para isto avançar é preciso atingir um objectivo de financiamento.
[Jónatas] Numa primeira fase de recolha conseguimos juntar os fundos necessários para pagar a gravação do disco e com a ajuda muito generosa da Valentim de Carvalho gravámos lá o álbum, que está agora na fase pós-produção, e o que nos falta é o dinheiro para fazer as cópias físicas do disco, porque acreditamos que a música e os discos ainda é algo que pode ser partilhado de forma física, o que é mais significativo do que simplesmente enviar um ficheiro informático.

Os valores são baixos, porque queremos que seja o mais acessível possível, e mesmo assim possa reverter lucro para os jantares, e neste momento estamos nesta fase. Temos até dia 15 para atingir o nosso alvo. Mas mesmo que cheguemos aos 100%, encorajamos toda a gente a financiar-nos porque temos também outros objectivos.

Estive há dias a tocar alguns temas para alguns utentes da Comunidade Vida e Paz e foi uma experiência fantástica a maneira como as canções encontraram aquelas pessoas, e como elas se encontraram nas canções. Temos um sonho que queremos concretizar de poder oferecer o disco em leitores mp3 a pilhas aos nossos convidados da rua, para que lhes sirva de uma companhia quando eles estiverem em alturas de solidão.

Não se trata apenas de pôr comida nos estômagos das pessoas mas conseguir chegar aos corações a ajudar a transformar vidas e construir uma cidade melhor e mais solidária, especialmente tendo em conta o tempo que vivemos.

Como é que se pode contribuir?
Quem conhece a plataforma PPL.com.pt, o nosso está na lista de projectos. Mas é mais fácil ir a www.tudoevaidade.com e tem lá as informações todas. Vão tendo actualizações regulares, tem as ligações para a página da recolha de fundos e também tem as ligações para o disco anterior, a fase 1 do projecto. Também estamos no Facebook.com/tudoevaidade

Tudo é vaidade vem da abertura de Eclesiastes, o segundo disco também é inspirado em Eclesiastes?
O segundo é mais abrangente. As imagens mais presentes neste segundo disco são de facto o pão, mesas vazias e mesas cheias, e também a questão da solidão, daquele sentimento de, apesar de estarmos rodeados de imensa coisa, incluindo família e emprego, podemos sentir que não temos nada. Apela a uma redescoberta daquilo que é verdadeiramente importante, o “ter e não ter”.

Não tem uma inspiração tão focada como o primeiro disco, mas sendo mais abrangente também houve coisas que fui buscar a Job, outras a Salmos. Job é um livro espectacular, para escrever sobre sofrimento. Há uma música só sobre a parábola do Senhor que dá um grande banquete e todos os convidados recusam. A música diz que “Há uma grande festa, que nunca termina, onde todos cantam e ninguém desafina.” Esse é o espírito dos jantares do Serve the City.

Musicalmente tenho convidados muito especiais. O Samuel Úria, a Celina da Piedade, que tem um disco a solo lindíssimo, ela toca com o Rodrigo Leão também. Uma cantora portuguesa que canta com os Wray Gunn, a Selma Uamusse. E depois muitos amigos meus, pessoas que decidiram abrir o seu coração sem pedir nada em troca e que abrilhantam o CD de uma forma muito especial.

Nota-se aqui que todo este projecto está muito marcado pela tua fé pessoal. De que maneira alimenta o teu trabalho?
Não só este projecto. Eu tento que toda a minha música, mesmo que não tenha a palavra Cristo, ou Deus, que naquilo que eu crio transpareça a minha cosmovisão. É importante para mim que assim seja, já que vou falar é melhor que tenha alguma coisa a dizer, mas que possa ser algo que leve as pessoas a interpretar aquilo à sua maneira e descodificar aquilo que lá está. Não são músicas sobre o nada, não são um vazio intelectual ou lírico.

Um sem-abrigo de Lisboa
Tentei imaginar muito daquilo porque passam as pessoas que frequentam os jantares. Na Comunidade Vida e Paz, uma música que falava de sepulcros, um senhor que tinha sido coveiro muitos anos e que disse que se identificava com aquilo. Essa é a minha maior felicidade, que as pessoas possam pegar nas canções e sentir que aquilo lhes diz alguma coisa.

Contaste com o apoio dos Pontos Negros?
Claro, eles participam todos. O Silas, o teclista, é quem faz a parte gráfica. Apesar de ser um projecto de âmbito diferente a nossa amizade vai muito para além da música. Aliás, a amizade é algo que é partilhado pelas pessoas que fazem este disco e isso é uma coisa que transparece.

Já chegaste ao ponto em que consegues viver da música?
Já vivi, mas agora não vivo. Estou muito bem como estou. Não é por ter um emprego, de que gosto muito, e dedicar-me a isto não a full-time, que o faço com menos empenho ou dedicação. Quando eu falei com o Alfredo nem estava neste emprego, mas a premissa de nunca tirarmos nada financeiramente deste disco mantém-se e há-de se manter sempre, mesmo que não esteja a ganhar nada. Isto é algo que eu sinto que devo fazer, independentemente daquela que for a minha situação.

Alfredo, o seu trabalho no Serve The City também é voluntário?
Eu sou voluntário, não ganho nada com isto. Temos apenas uma pessoa que é paga porque entre dois jantares há uma enorme quantidade de trabalho a fazer, reuniões a marcar, contactos, follow-up que se faz com pessoas que vêm jantar connosco. Em quase dois anos já envolvemos quase 2500 voluntários, desde gestores de grandes grupos económicos a pessoas desempregadas e até alguns sem-abrigo. Misturamos tudo, o objectivo é mesmo esse, quando uma pessoa entra na sala de jantar não percebe que é o voluntário nem quem é o sem-abrigo.

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