Friday 6 December 2013

A Alegria do Evangelho - A Igreja enquanto instituição

Chegamos a um dos pontos mais importantes da exortação e dos pontos que mais expectativas cria em relação ao que o Papa vai fazer ou deixar de fazer durante o seu pontificado.

Há estruturas eclesiais que podem chegar a condicionar um dinamismo evangelizador (#26)
Isto é tão simples que parece inútil dizê-lo. A existência de estruturas que não contribuam para um dinamismo evangelizador é natural. Há espaço para tudo. Cultivar interesse pelo rito bracarense pode não contribuir para conquistar novas almas, mas tem valor nem que seja pelo facto de manter vivo um aspecto da cultura e do património universal da Igreja. O mesmo se aplica aos sapatos encarnados de Bento XVI ou aos turíbulos nas missas...

Agora, outra coisa bem diferente são instituições ou práticas que, concretamente, são um obstáculo ao dinamismo evangelizador... isso é inaceitável e onde existem têm de ser expurgadas. Ponto final, parágrafo.

A reforma das estruturas, que a conversão pastoral exige, só se pode entender neste sentido: fazer com que todas elas se tornem mais missionárias, que a pastoral ordinária em todas as suas instâncias seja mais comunicativa e aberta, que coloque os agentes pastorais em atitude constante de «saída» e, assim, favoreça a resposta positiva de todos aqueles a quem Jesus oferece a sua amizade (#27)
Parece-me sem dúvida um bom ponto de partida. Não é simplificar por simplificar. Não é ser pobre por miserabilismo. Não é acabar com a beleza por um qualquer “progressismo adolescente”. É mudar para melhor evangelizar. Assim sim.

“A paróquia não é uma estrutura caduca; (...)Temos, porém, de reconhecer que o apelo à revisão e renovação das paróquias ainda não deu suficientemente fruto, tornando-se ainda mais próximas das pessoas, sendo âmbitos de viva comunhão e participação e orientando-se completamente para a missão. (#28)

“É muito salutar que não percam o contacto com esta realidade muito rica da paróquia local e que se integrem de bom grado na pastoral orgânica da Igreja particular. Esta integração evitará que fiquem só com uma parte do Evangelho e da Igreja, ou que se transformem em nómades sem raízes” (#29)
Este é um tema perfeitamente actual. Quantos de nós continuamos verdadeiramente ligados à paróquia onde vivemos? Eu não.

Hoje em dia os movimentos vieram em larga medida substituir as paróquias e não digo isso como crítica, longe disso. Mas há um risco, para o qual o Papa alerta, e que me parece importante. É que nada substitui a diversidade de uma paróquia. Se nos rodearmos apenas de amigos que são do nosso movimento, do nosso grupinho e que pensam como nós, corremos o risco de viver a Igreja “à nossa maneira”, algo que tanto criticamos naqueles que nem à missa vão, porque são católicos “à sua maneira”.

Na paróquia somos obrigados a conviver com altos e baixos, conservadores e liberais, malucos e génios... um pouco de tudo. Isso é Igreja e nesse sentido é insubstituível. Mas não é fácil, nos nossos dias. Toda a Igreja está a tentar encontrar uma nova saída e uma nova forma de viver a paróquia, sobretudo nas grandes cidades, e ainda não me parece que tenham surgido soluções mágicas. Eu pelo menos não as tenho.

Uma centralização excessiva, em vez de ajudar, complica a vida da Igreja e a sua dinâmica missionária. (#32)
Certo. Mas não nos podemos esquecer de que uma das vantagens do Catolicismo é precisamente o facto de, em última instância, haver uma autoridade central a que recorrer. Isso não pode desaparecer. Nem estou a insinuar que o Papa queira que desapareça, mas temo algumas leituras demasiado radicais destas palavras. E mais, como escrevi antes, uma Igreja descentralizada, tudo bem, mas nesse caso precisamos de cuidados redobrado na nomeação de bispos.

No diálogo com os irmãos ortodoxos, nós, os católicos, temos a possibilidade de aprender algo mais sobre o significado da colegialidade episcopal e sobre a sua experiência da sinodalidade. (#246)
Mais uma vez, sim, é verdade, e é um bonito gesto ecuménico da parte do Papa escrevê-lo, mas calma... É que a sinodalidade dos ortodoxos pode ser bonita, mas também tem falhas. Basta ver a forma como as igrejas ortodoxas passam a vida a excomungarem-se umas às outras e os grandes problemas a nível de jurisdição, com algumas igrejas a disputar questões de jurisdição. Aqui, sem dúvida, fazia falta uma autoridade central que pudesse colocar um ponto final no assunto.

A nossa tristeza e vergonha pelos pecados de alguns membros da Igreja, e pelos próprios, não devem fazer esquecer os inúmeros cristãos que dão a vida por amor. (#76)
Amen.

“Um dos sinais concretos desta abertura é ter, por todo o lado, igrejas com as portas abertas. Assim, se alguém quiser seguir uma moção do Espírito e se aproximar à procura de Deus, não esbarrará com a frieza duma porta fechada.” (#47)
Este ponto pôs-me a pensar bastante, até porque sempre detestei ver igrejas de porta fechada.

Por um lado, compreendo que seja necessário manter portas fechadas por questões de segurança. Mas esse é precisamente o ponto... segurança de quê? Das coisas bonitas que lá estão dentro? Das obras de arte caras, dos dourados e das pratas? Mas afinal de contas as nossas igrejas existem para quê? De que servem esses tesouros se impedem que os fiéis possam ter acesso, sempre que precisarem, ao verdadeiro tesouro, que está no sacrário.

Calma, não estou armado em puritano, se há coisa que adoro são igrejas bonitas. Mas penso que pelo menos devíamos meditar sobre isto. Haveria, por exemplo, uma forma de cada igreja ter um espaço isolado, mais protegido, tipo uma capela lateral, que estivesse sempre aberta? Sem acesso fácil à nave principal, onde estão as coisas de maior valor material? Que bom se nessa capela pudesse estar exposto o santíssimo, nem que fosse por detrás de um vidro de protecção (inquebrável), para evitar profanações? Na pior das hipóteses na manhã seguinte encontrava-se lá um sem-abrigo ou outro (como se isso fosse coisa a lamentar).

É só uma ideia, mas que apenas me surgiu depois de ler estas palavras.

É impressionante como até aqueles que aparentemente dispõem de sólidas convicções doutrinais e espirituais acabam, muitas vezes, por cair num estilo de vida que os leva a agarrarem-se a seguranças económicas ou a espaços de poder e de glória humana que se buscam por qualquer meio, em vez de dar a vida pelos outros na missão. (#80)
Conheço um padre que não recebe ordenado da sua paróquia há meses. Quando lhe perguntamos se está aflito, ri-se e diz que nunca lhe falta nada, porque os paroquianos tratam dele.

Não é falsa humildade, é a mais pura das verdades. Tem um carro bom, a casa cheia de comida e algumas tecnologias topo de gama... O que quero dizer é que não cultiva a pobreza, nem tem de o fazer, pois não fez votos para tal. Desde as velhas que lhe metem notas ao bolso, às famílias que lhe trazem presuntos, couves e batatas quando voltam “da terra”, nunca lhe falta nada e até tem para partilhar com amigos e paroquianos que precisam de ajuda.

Isto é das coisas mais bonitas que há. Um padre que não se preocupa com o material, porque as suas ovelhas cuidam dele.

O reverso da medalha, e infelizmente também existe, é ver, como diz o Papa, sacerdotes e homens de Deus que não são capazes de colocar a sua confiança na providência do Senhor. Isso choca os fiéis e é um sinal de falta de fé. Aves do céu e lírios do campo, amigos. Não esquecer.

Mas o recado é também para “nós” leigos. Quando é que foi a última vez que perguntou ao seu pároco ou a um padre que conhece se precisa de alguma coisa? Ou que o convidou para jantar? Ou levou um presente a casa? Ajudemos a cuidar das necessidades materiais dos nossos sacerdotes, para que eles possam cuidar melhor das nossas almas.

Onde há vida, fervor, paixão de levar Cristo aos outros, surgem vocações genuínas. (...) Por outro lado, apesar da escassez vocacional, hoje temos noção mais clara da necessidade de melhor selecção dos candidatos ao sacerdócio. Não se podem encher os seminários com qualquer tipo de motivações, e menos ainda se estas estão relacionadas com insegurança afectiva, busca de formas de poder, glória humana ou bem-estar económico. (#107)
Sempre que me dizem que precisamos de mais padres, respondo que não. Precisamos é de bons padres. Se forem muitos, melhor. Mas o importante é serem bons. O que o Papa escreve aqui é verdade até estatisticamente. Um jovem que veja uma Igreja dinâmica à sua volta, a fazer realmente a diferença, vai pensar seriamente se essa não é uma causa que merece o seu empenho total. Se viver numa Igreja morna, preferirá certamente outro caminho.

O resto da questão também é fundamental, até porque se torna um vício. Dioceses com poucos padres farão, infelizmente, quase tudo para aumentar os números e “mostrar serviço”. Há histórias lamentáveis de bispos a aceitar candidatos que foram expulsos de outras dioceses porque tinham problemas de carácter ou desvios comportamentais. É uma bomba relógio.

Depois, o passado recente mostra também que quando o clero de uma diocese começa a estar marcada pela presença de pessoas com desvios comportamentais, outros sentir-se-ão atraídos por esse caminho, pois dá prestígio e, até certo ponto, permite esconder modos de vida que são incompatíveis com o serviço sacerdotal. É com bons olhos que leio estas palavras do Papa e vejo que a Santa Sé está a dar o exemplo.

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