Wednesday 27 August 2014

Qual é o objectivo?

Anthony Esolen
Foi W. H. Auden quem disse que todos os críticos deviam mostrar as suas credenciais antes de escrever sobre literatura. Mas as credenciais a que se referia nada tinham a ver com a formação académica ou bibliografia. Auden dizia que eles deviam confessar aos seus leitores qual era a sua visão do paraíso.

Penso que este requisito devia aplicar-se também a todos os críticos sociais e a todos os que propõem alterações fundamentais às leis ou aos costumes. A todos os que se identificam como progressistas, a pergunta evidente é: “Para onde vamos? E porque é que queremos chegar aí?”

Deixemos de lado, por um momento, o facto de não ser possível um paraíso sobre a terra, pois isso implicaria a perfeição das virtudes entre homens decaídos. Nas palavras de Solzhenitsyn, no coração de cada homem trava-se uma batalha entre o bem e o mal.

Deixemos de lado aquela confiança vã de que podemos chegar à terra prometida se seguirmos a estrada mágica da “ciência” ou da “democracia”, ou da “igualdade” ou da “liberdade sexual”, e que tudo estará bem.

Deixemos de lado os meios para chegar a essa terra prometida. A questão que se coloca aos progressistas é: “Que terra é esta que nos prometem? Porque é que é esse o vosso destino? Como é que é? Como é que imaginam o paraíso?”

Para o verdadeiro conservador a questão é menos agressiva e urgente, uma vez que o verdadeiro conservador não acredita no paraíso sobre a terra. “Como é que seria um paraíso? Dadas as fragilidades da natureza humana, que pálido reflexo desse paraíso é que os nossos antepassados, ou nós mesmos, já garantimos? Se já perdemos parte dessa boa realidade, como é que a podemos reaver?”

Esta questão tem implicações sobre o grande debate do nosso tempo, o da chamada “libertação sexual”. Por isso coloquemos aos progressistas esta questão: Qual é a vossa ideia de paraíso? Para onde nos estão a conduzir?

É uma terra em que a maioria das pessoas no auge das suas vidas são casadas? Pelo que os homens e as mulheres dedicam a maior parte do seu tempo a dedicar-se à disciplina edificante e unificadora da vida familiar?

É uma terra em que praticamente nenhum casamento termina em divórcio?

É uma terra em que praticamente não nascem crianças fora do porto seguro do casamento e de votos de estabilidade e perpetuidade?

É uma terra cuja cultura popular celebra aquilo que há de mais nobre na humanidade e não aquilo que é rude, ordinário e egoísta? Uma terra em que os rapazes e as raparigas aprendem que é errado levar uma vida de hedonismo?

É uma terra em que a pornografia é considerada lixo porque conspurca o corpo e a mente?

É uma terra em que os homens têm muita coisa boa para dizer sobre as mulheres e as mulheres muita coisa boa para dizer sobre os homens?

É uma terra em que os casamentos são tão fortes que aqueles que sucumbem às tentações do mau comportamento podem contar com assistência pronta dos seus vizinhos e familiares?


É uma terra cujas igrejas se enchem ao domingo?

É uma terra cujas famílias são tão estáveis e tão presentes na vida local que os políticos, os professores e os homens de negócios precisam de contar com elas? Uma terra em que as famílias supervisionam as escolas e onde os professores são vistos como representantes dos pais, nomeados à sua discrição?

É uma terra cuja vida familiar é dão produtiva e vibrante que em vez de vermos entretenimento massificado a ser bombeado para dentro das casas, existe uma verdadeira cultura popular a florescer dentro de casa?

É uma terra em que se honram as virtudes que fortalecem e protegem as famílias? Uma terra em que a castidade não é desprezada por ser uma forma de puritanismo mas louvada como forma de autodisciplina que respeita a beleza da sexualidade e a santidade do casamento?

É uma terra em que a primeira prioridade da economia é o bem do lar? Uma terra em que as leis e os costumes fortalecem a vida familiar, aumentando as probabilidades de as crianças passarem a maior parte do tempo em casa na companhia de pelo menos um dos seus pais? Uma terra de vizinhança e não de mera proximidade, onde as famílias que vivem nos mesmos bairros se conhecem ao ponto de formar uma espécie de família alargada em que as crianças podem brincar à vontade, sempre debaixo do olhar de alguém de confiança?

É uma terra em que os Governos podem dedicar-se aos seus afazeres, porque quase todos os assuntos verdadeiramente importantes já são tratados pelos lares, os bairros e as paróquias?

É uma terra em que as crianças não são precocemente sexualizadas, tendo assim tempo para aprender a ser rapazes e raparigas antes de entrar na fase da puberdade? Uma terra em que alguém que expressasse a vontade de se insinuar sexualmente nos desejos sexuais de uma criança seria visto como monstruoso? Uma terra em que um pervertido sexual e uma fraude como Alfred Kinsey não seria celebrado?

Nesta terra poderíamos ter uma parada anual para festejar aqueles que celebram os 40 anos de casados, na companhia dos seus filhos e netos? Uma terra em que a palavra “puro” não é usada como gozo e “decadente” não é considerado um elogio?

A todos os que defendem o absurdo biológico de um homem se poder casar com outro homem, perguntamos: “Essa terra que nos propõem é uma onde seriam felizes? Vocês querem que acreditemos que vos podemos conceder esta coisa que desejam sem termos de abdicar de todas as outras coisas que as pessoas comuns sempre quiseram e das quais tantas vezes puderam gozar. Mas essa não é uma mentira? Não é antes verdade que não querem nenhuma dessas outras coisas?

Para onde nos querem levar? Porque é que havíamos de querer ir convosco?


Anthony Esolen é tradutor, autor e professor no Providence College. Os seus mais recentes livros são:  Reflections on the Christian Life: How Our Story Is God’s Story e Ten Ways to Destroy the Imagination of Your Child.

(Publicado pela primeira vez na Quarta-feira, 20 de Agosto de 2014 em The Catholic Thing)

© 2014 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

Wednesday 20 August 2014

A “História da Igreja Católica” de Hitchcock

Acabei de ler a “História da Igreja Católica” de James Hitchcock, o que me levou a reflectir sobre alguns desenvolvimentos históricos que nos podem dar que pensar hoje em dia, sobretudo em três áreas específicas:

1. Desenvolvimentos Litúrgicos

No que diz respeito à Missa, o latim tornou-se a língua litúrgica em vez do grego no terceiro século, por ser o vernáculo. O “beijo da paz” era um costume pagão que foi gradualmente incorporado na liturgia. A comunhão na mão prevaleceu até ao século nono, altura em que se formulou a doutrina da presença real e a comunhão na boca tornou-se a respectiva afirmação doutrinal, (hereges como Ratramnus atacaram a ideia). Durante a Idade Média, sob influência do clero franco, as genuflexões, o sinal da cruz e outros gestos tornaram-se lugares-comuns litúrgicos. A comunhão era pouco frequente. O Concílio de Trento viria a encorajar a comunhão frequente, mas aquilo em que os padres conciliares estavam a pensar era comunhão semanal para seminaristas e comunhão mensal para freiras. Foi Pio X, no século XX, quem abriu a porta para aquilo que hoje compreendemos como “comunhão frequente”.

Enquanto académico de línguas clássicas, tendo estudado grego e latim no liceu e na universidade, tendo ensinado latim em África e na Califórnia e memorizado grande parte da missa em latim, fiquei de rastos quando se começou a celebrar o Novus Ordo em inglês. Graças às maravilhas da tecnologia Android, agora consigo ler partes do ofício divino em latim no meu Smartphone. Mas ainda não sei de cor o Glória nem o Credo em inglês. Seja como for, a missa não é sobre mim! Não se pode voltar atrás: a nossa é uma Igreja de muitos ritos – romano, bizantino, alexandrino, siríaco, arménio, maronita, caldeu… - com uma variedade de línguas – grego, sírio, árabe, russo, eslovaco, etc. A missa nos países de língua inglesa continuará a ser em inglês, com pequenos bolsos aqui e ali para quem ama a forma “extraordinária”. Ainda há padres fluentes em latim? Se não, será que têm tempo para aprender?

Mas a prática de celebrar a missa “versus populum”, de frente para a congregação, em vez de “ad orientem”, de frente para o altar, é um problema. Se há esperança para o diálogo ecuménico com os ortodoxos, esta prática, bem como a primazia do Papa, é um obstáculo gritante. A arquitectura das igrejas católicas de rito latino mudou significativamente desde o Vaticano II, com uma mesa próxima da congregação, ao estilo protestante, em vez de enfatizar o altar em frente, onde o padre continua a renovar o mistério do sacrifício de Cristo na Cruz.

Temos de perguntar: quais são as nossas prioridades ecuménicas? Queremos investir na união com os protestantes, que se sentem confortáveis numa igreja com uma mesa para a “Ceia do Senhor”? O senso comum deve levar-nos a dar prioridade aos ortodoxos, que são “igrejas irmãs” com sucessão apostólica válida e perpetuam de forma reverente o sacrifício da missa.

Entretanto, continuando a assistir a missas “Novus Ordo”, ficaria razoavelmente satisfeito se os padres apresentassem claramente a missa como um sacrifício em vez de uma refeição comunitária, deixassem de usar termos neutros para substituir os masculinos no Evangelho e no missal e deixassem de atravessar toda a Igreja para socializar na altura da comunhão.

2. Escândalos na Igreja
Jesus avisou os seus discípulos de antemão: “Ai do mundo, por causa dos escândalos; porque é mister que venham escândalos, mas ai daquele homem por quem o escândalo vem!” (Mt. 18,7). Os séculos IX e X foram o auge dos escândalos, tanto na Igreja como na política. Carlos Magno casou-se cinco vezes, teve seis concubinas e forçou as filhas a ter filhos fora do casamento, para evitar problemas com genros sedentes de poder. O Papa Estêvão VI exumou o cadáver do seu antecessor, o Papa Formoso, para o profanar publicamente por causa de desentendimentos sobre direito canónico, mas ele também acabou preso e estrangulado até à morte.

No século XI Bento IX tornou-se Papa através de subornos, mas acabou por resignar, na condição de ser reembolsado. No século XV o Papa Sexto mandou dois padres assassinar alguns Medicis que representavam obstáculos a alianças estratégicas que tinha em mente; e o Papa Alexandre VI, depois de uma feroz campanha para se tornar Papa, viria a ser um dos pontífices mais infames. Pio II, o único Papa a escrever uma autobiografia, também era conhecido por escrever obras pornográficas antes de ter conseguido alcançar o pontificado através de esquemas ambiciosos.

Contudo, as reformas proliferaram juntamente com os escândalos. No século XII, Pedro Abelardo, famoso pelos encontros com Heloísa, acabou por se tornar um director espiritual e um abade reformador, a tal ponto que os seus monges o tentaram envenenar, enquanto Heloísa se tornou abadessa de uma comunidade de freiras. No século XIV, Santa Catarina de Sena, que não deixava de melgar os papas desnorteados, dedicou o capítulo 124 dos seus famosos diálogos à necessidade de obliterar o escândalo dos padres sodomitas para se poder reformar a igreja. No século XVI o Papa Paulo III, cuja carreira foi auxiliada pelo facto de a sua irmã ter sido amante de Alexandre VI, deixou para trás uma vida de escândalos para se tornar um Papa reformista. E no século XVII a grande reforma trapista da ordem cisterciense foi conseguida por Armand-Jean de Rancé, depois da morte da sua amante.

No século XX, para além do escândalo de padres e freiras a abandonar os seus ministérios, o maior escândalo tem sido o dos abusos sexuais, incluindo pedofilia, por padres em boa conta, bem como o encobrimento e as “transferências”. Mas enquanto recuperávamos deste pesadelo tivemos dois grandes e santos papas, bem como uma reforma gradual e bem-sucedida numa área de disciplina interna da Igreja que costumava passar-se só atrás de portas fechadas, mas agora se tornou mais transparente.

E agora, perante desafios abertos à liberdade religiosa por parte dos governos, é possível que vejamos os bispos e outros líderes religiosos a chegarem-se à frente e a fechar serviços, como agências de adopção, em vez de ceder à pressão de servir “casais” homossexuais ou fechar hospitais em vez de sucumbir às exigências de financiar contraceptivos nos seguros. A “reforma”, nestes casos, poderá exigir atitudes verdadeiramente heroicas.

3. Concílios

Temos assistido a críticas incessantes ao Concílio Vaticano II por não ter clarificado nem fortalecido a posição da Igreja no mundo e de, pelo contrário, ter levado a uma fuga de fiéis. Mas como Hitchcock faz questão de sublinhar, historicamente os concílios nunca resolveram os problemas da época em que foram convocados. Pelo contrário, em muitos casos ajudaram a intensificá-los. O Concílio de Nicéia (325), que tinha como objectivo clarificar questões sobre a divindade de Cristo, acabou por gerar ambiguidades sobre a sua “consubstancialidade” com o Pai. O Concílio de Calcedónia (451) não resolveu o problema da relação de estatuto entre as sés de Roma e de Constantinopla. 

O Concílio de Trento (1545-63) foi recheado de divisões políticas. Boicotado pelos bispos franceses, teve a oposição de Paulo IV mas foi retomado por Pio IV, embora sujeito a relações tempestuosas entre facções nacionais e doutrinais. Os objectivos contra-reformistas de resolver as questões da justificação e da relação entre a graça e o livre arbítrio foram em larga medida falhados e a missa no vernáculo foi proibida, apesar de o latim ter alcançado a primazia precisamente por ser o vernáculo.

Igualmente, o Vaticano I (1869-70) enfrentou oposição episcopal considerável à declaração de infalibilidade papal. Um dos problemas era que, historicamente, dois papas tinham estado perto de heresias. Honório, no século VII aceitou o monoteletismo e o Papa João XXII, no século XIV defendeu, por um período, a doutrina de “alma adormecida” após a morte, antes do juízo final. Foi por isso que se incorporou a condição de se falar “ex cathedra” na declaração, para diminuir a probabilidade de pronunciamentos heterodoxos.

Por isso o Vaticano II, por mais falhas que tenha tido, não foi caso único. As divisões políticas eram imensas. Os principais agentes no Concílio foram principalmente teólogos, muitos dos quais do género “progressista”, e os bispos e os cardeais tendiam a dar lugar a esses “peritos”, como explica Hitchcock:

Juntamente com Schillebeeckx, Haering e, em menor escala, Rahner, o padre e teólogo germano-suíço Hans Küng tornou-se o mais apaixonado e audaz porta-voz do aggiornamento, exigindo que a Igreja se acomodasse a uma cultura em mudança, enquanto Lubac, Danielou, Maritain, Balthasar, Bouyer, Ratzinger e outros protestavam o que consideravam ser distorções do concílio.

Um dos principais pontos de viragem do Vaticano II teve lugar quando a Comissão Teológica, presidida pelo Cardeal Ottaviani, foi ultrapassada pela berma pelo recém-criado Secretariado para a Promoção da Unidade dos Cristãos, presidido pelo Cardeal Bea. Este secretariado era idealista em relação à possibilidade de se restaurar a unidade e pragmática quanto aos métodos, que incluíam gestos diplomáticos para com os soviéticos e os representantes ortodoxos que simpatizavam com os soviéticos.

Vários dos “schemata” foram submetidos a critérios ecuménicos. Assim, os progressistas conseguiram descarrilar os esforços para enfatizar a Virgem Maria como Mediadora de todas as Graças e co-redentora, uma vez que isso era visto como um obstáculo à unidade co os protestantes. Os braços do secretariado chegavam mesmo bem mais longe que o Cristianismo, em direcção ao Islão, visto como uma religião “abraâmica” que adorava “o Deus único e misericordioso”. (Tanto quanto sei nem um dos peritos que escreveu a Constituição Dogmática Lumen Gentium era um estudante sério da doutrina, prática e história do Islão.)

Apesar destes exageros e talvez algumas ambiguidades noutros documentos, (o concílio não emitiu leis ou declarações definitivas sobre questões de fé e de moral), o Vaticano II não produziu nada de claramente herético. Os progressistas avançaram com propostas que tresandavam a heresia, como o conciliarismo, modernismo, a primazia da colegialidade episcopal, compromissos com a liberdade religiosa, etc. Mas a organização tardia de “conservadores” como como os cardeais Ottaviani, Siri, Ruffini e o arcebispo Lefebvre, entre outros, bem como as suas intervenções nas conferências, ajudaram a modificar estas iniciativas e a colocar os debates novamente em linha com a tradição e os anteriores concílios.

Aqueles que apontam para o Vaticano II como o princípio de uma espiral de declínio para o Catolicismo não têm em conta que o Concílio teve lugar mesmo durante a revolução sexual dos anos 60. Enquanto o Concílio começava, em 1962, a pílula contraceptiva estava no mercado há dois anos e esperava-se que um dos resultados deste concílio “pastoral” fosse a aprovação de pelo menos esta forma de contracepção. Quando isto não aconteceu e quando a encíclica Humanae Vitae (1968), de Paulo VI, enfrentou a rejeição ou a indiferença esmagadora de muitos bispos e teólogos, isso conduziu a uma crise de autoridade, que se mantém. O feminismo militante e o ataque a todas as formas de “patriarquia” também foram um factor muito importante.

Será que o Vaticano II conseguiu “abrir as janelas para deixar entrar ar fresco”, como o Papa João XXIII esperava? De certa maneira, sim. No Vaticano I, por exemplo, não havia cardeais da Ásia nem de África. No Vaticano II, contudo, os cardeais africanos, asiáticos e da América Latina estavam bem representados. Foi sem dúvida mais “ecuménico” no sentido de abrir a Igreja ao mundo. Aliás, Hitchcock apresenta uma estatística interessante, que em 2010 a Igreja duplicou de tamanho em relação ao fim do Concílio Vaticano II.


Howard Kainz é professor emérito de Filosofia na Universidade de Marquette University. Os seus livros mais recentes incluem Natural Law: an Introduction and Reexamination(2004), The Philosophy of Human Nature (2008), e The Existence of God and the Faith-Instinct (2010)

(Publicado pela primeira vez em TheCatholic Thing no sábado, 16 de Agosto de 2014)

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Thursday 14 August 2014

Isso é tão Iluminismo

Um dos recursos de estilo mais irritantes no discurso público actual é quando se critica uma coisa como sendo “medieval”. O crítico não está a referir-se à janela de rosa da catedral de Chartres, nem os tratados místicos de Bernardo de Clairvaux sobre o amor divino, nem o código de conduta elaborado da tradição cavalheiresca. Essas tradições, por alguma razão, não contam como “medievais”. Só a brutalidade, que é comum a todas as eras, infelizmente, define o que é medieval, bem como um certo obscurantismo religioso, cujos registo históricos são difíceis de encontrar, mesmo quando comparado com a confusão dos nossos tempos.

As calúnias sobre a superstição e a violência da Idade Média começaram durante o Renascimento – apesar de a suposta “redescoberta da razão” ter sido na verdade um declínio em relação â racionalidade medieval. Basta dar uma vista de olhos sobre a política no Renascimento para se perceber que não se trata propriamente de um grande avanço.

Mas as calúnias foram reforçadas pela Reforma e pela Revolução Científica. São Edmund Campion foi enforcado e esquartejado por causa das suas crenças religiosas em Inglaterra em 1581, mas curiosamente não criticamos esse tipo de comportamento como sendo “tão reformista” ou “tão pré-modernismo”.

Mas a maior impostura na nossa história imaginada do Ocidente tem a ver com o Iluminismo. O verdadeiro Iluminismo apresentou-se sob várias formas. Algumas foram úteis – algo de que nos devemos lembrar quando precisarmos de antibiótico – e poderiam ter sido ainda mais se tivessem beneficiado de alguma continuidade com conhecimentos mais antigos. Muitas figuras do Iluminismo, mesmo que se tenham tornado deístas, continuavam a acreditar num Ser Supremo, na imortalidade da alma, no juízo final e na vida eterna no Céu ou no Inferno (ver o Vigário de Saboia de Rousseau). Sem esses mínimos, pensavam, a moralidade humana não teria rumo.

Mas o Iluminismo radical – a parte que Edmund Burke discerniu na Revolução Francesa e que descreveu como operando “com a metafísica de um caloiro e a matemática e aritmética de um cobrador de impostos”, continua connosco e fornece grande parte da banda sonora das nossas vidas. Vêmo-lo nas figuras públicas que parecem acreditar na existencia de curas conhecidas para todos os males sociais, que apenas não se aplicam por causa da má-vontade dos privilegiados ou a ignorância dos pobres, sendo que tanto uns como outros podem ser ignorados e, até, eliminados da conversa.  

Burke acrescentava que: “É notável, que num grande arranjamento de humanidade, não se encontra qualquer referência a qualquer coisa moral ou qualquer coisa política; nada que se relacione às preocupações, acções, paixões, ou interesses dos homens. Hominem non sapient [Eles não conhecem o homem].”

Desde então as coisas não melhoraram muito. Olhando à volta continuamos a ver que as grandes influências do Iluminismo para nós continuam a ser coisas como a ideia de que os “verdadeiros” interesses das pessoas são económicos e que tudo o resto é ilusão, loucura ou pior. É evidente que houve guerras travadas por razões económicas, mas são surpreendentemente poucas ao longo dos últimos séculos. Basta pensar na Primeira e Segunda Guerra Mundial, Coreia, Vietname, Afeganistão e Iraque.

Neste momento decorre uma guerra na Ucrânia que o nosso presidente pensa derivar de uma mentalidade “do século XIX” que, como sabem os sofisticados da comunidade internacional, nem compreende os seus próprios interesses. Ou seja, nós compreendemos Vladimir Putin melhor do que ele próprio. As elites bem-pensantes sabem que devíamos limitar-nos ao desenvolvimento económico e cooperação internacional  e, claro, sabemos que forma deve assumir essa cooperação, porque todos os objectivos humanos legítimos são já conhecidos: uma presunção tão Iluminista.
 
Edmund Campion, vítima do Iluminismo
Temos guerras entre o povo antigo de Israel e os habitantes muçulmanos de Gaza e da Cisjordânia, bem como entre as diferentes facções religiosas da Síria, Iraque, Líbia, Egipto, Sudão, Nigéria, etc. É tão deprimente – e tão Iluminista – pensar que os seres humanos se mantêm agarrados dessa forma à religião e à história. A não ser que, em vez de olharmos para o mundo pelo prisma dos nossos critérios olharmos, como diz Burke, para as “preocupações, acções, paixões e interesses dos homens” – os seres humanos verdadeiros e não aqueles que gostaríamos que existissem.

Quando pensamos desta forma começa a fazer sentido que as pessoas se agarrem à religião, família e pátria – e que estejam dispostos a defendê-las, pela força, se for caso disso, mesmo que isso não beneficie os seus “interesses económicos” – porque  a maioria das pessoas não se entusiasmam nem se inspiram em abstracções. Os homens simplesmente não são assim. É muito iluminista pensar que sim.

Ou melhor, essa é uma das contradições do Iluminismo. Porque se levássemos a sério os esforços para se reduzir o homem a um mero animal, essas ligações de matilha fariam todo o sentido. Foi Vladimir Soloviev que ironizou, certa vez, que a visão moderna é de que “todos descendemos de macacos, por isso amêmo-nos uns aos outros”.

Claro que se levássemos a sério a redução iluminista dos seres humanos a um mero animal complexo, ou mais ainda a uma série de interacções químicas complexas, não acreditaríamos em nenhuma daquelas coisas que verdadeiramente nos tornam humanos. E porque razão pensaríamos que algo que não passa de uma série de reacções químicas complexas tem direitos, liberdades ou objectivos para além do bem-estar físico? Os tecnocratas estão a investir em força nesse raciocínio.

Levou o seu tempo para que esta atitude iluminista entrasse no discurso público. Há correntes na nossa cultura – pós-modernas, neo-ortodoxas, filosóficas – que já compreenderam as limitações e os perigos deste desenvolvimento. Remam contra a maré, mas acabam muitas vezes por dar mais força ao cepticismo em vez de restaurar sentido de verdade mais rico do que um orgulhoso racionalismo anterior permitia.

Aquele pensamento antigo e medieval que suportava a ideia de que o ser humano é algo especial – enraizado num mundo que tinha um lugar especial para essa especialidade – pode ter sido banido da praça pública. Alguns até podem pensar que se trata de uma libertação. Mas essa é uma visão tão iluminista e à medida que as consequências se fizerem notar, poderá não tardar o dia em que sentimos saudades de um tempo menos iluminado.


Robert Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute em Washington D.C. O seu mais recente livro The God That Did Not Fail: How Religion Built and Sustains the West está agora disponível em capa mole da Encounter Books.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na segunda-feira, 4 de Agosto de 2014)

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The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

Friday 8 August 2014

Agora aguentem-se Estado Islâmico!

Sabes que nunca fui grande fã, mas obrigado!
Não sei se foram as orações, o lobbying, ou simplesmente o impacto dos relatos e das imagens, mas finalmente vemos acção internacional no Iraque.

Os EUA mostraram que é só para isto que vale a pena ser uma superpotência e já começaram a lançar ajuda humanitária para ajudar os yazidis e iniciou também ataques contra o Estado Islâmico.

Washington: Caso tenham dificuldade em reconhecê-los, são os tipos que passam a vida a decapitar pessoas e a tirar fotos a segurar nas cabeças das vítimas, enquanto se riem.

Já agora, para quem sempre quis saber quem são e no que acreditam os yazidis, está aqui a informação toda. Saiba também porque é que os fundamentalistas os consideram satânicos.

Entretanto o primeiro-ministro do Iraque, outro dos responsáveis pela situação, uma vez que nem sequer consegue formar um Governo para fazer frente à ameaça, está sob ainda mais pressão para se demitir, depois de ter ouvido umas bocas fortes da parte do principal líder religioso dos xiitas.

O Papa Francisco, que foi criticado por ontem apenas ter mandado ler um documento em seu nome durante um briefing na Sala de Imprensa da Santa Sé, disse hoje que vai enviar um cardeal italiano para o representar junto dos refugiados. O Papa publicou também um tweet a pedir orações. É dirigido a “todos os homens e mulheres de boa vontade”, mas essas pessoas devem falar todas inglês, porque mais nenhuma das contas do Papa replicou a mensagem, nem sequer em árabe… vá lá malta da comunicação do Vaticano, estão todos de férias?

Se estão, ou não, não sei. Mas eu vou, a partir de agora. Os mails ficam suspensos, mas em caso de alguma notícia de última hora mais urgente, não vos deixarei sem o meu apoio! Não se esqueçam que há ainda o grupo do Facebook e o Twitter que vão sendo alimentados regularmente. 

Thursday 7 August 2014

Ajuda para o Iraque... precisa-se!

Yezidis a enterrar crianças no Monte Sinjar
A cidade cristã mais importante do norte do Iraque já está nas mãos dos militantes do Estado Islâmico. A população inteira terá conseguido fugir, mas a situação está pior que nunca.

Enquanto chegam notícias de que pelo menos 40 crianças já morreram de sede no monte Sinjar, o Patriarca de Bagdad escreveu um apelo urgente a pedir uma intervenção internacional armada para salvar os perseguidos.


Continuem a rezar, mas quem puder que ajude financeiramente as organizações que estão a ajudar os refugiados.

Estes dois links foram-me dados pelo Mardean Isaac, o activista que entrevistei o outro dia. Sei que a Caritas também está a ajudar.

Assyrian Aid Society, uma organização independente que opera em Dohuk, para onde fugiram muitos cristãos.

ACERO, Assyrian Church of the East relief organisation.


Wednesday 6 August 2014

O Aborto e o Cancro da Mama

Matthew Hanley
Frequentemente aparecem estudos que contradizem aquilo que se pensava – até há pouco tempo – ser mais benéfico para a saúde. Quem é que consegue acompanhar as indicações sobre a quantidade ideal de café, colesterol e exercício? Chegámos a uma situação em que mais vale a atitude de Santo Inácio de Loyola, de indiferença para com os bens deste mundo, como a saúde e a riqueza. Mas a indiferença para com a saúde por parte das autoridades de saúde não é desse género.

Numa edição recente do New England Journal of Medicine encontra-se um artigo que vem no seguimento de vários num caso já conhecido como “as guerras das mamografias”. Essencialmente, conclui que os programas de rastreio mamográficos fazem mais mal que bem e que mais vale acabar com eles do que manter o status quo. Um conselho médico na Suíça analisou as provas e chegou a esta conclusão.

A primeira coisa que notaram foi que os estudos actualmente usados estão ultrapassados. O tratamento também melhorou imenso ao longo das últimas décadas, eliminando as vantagens modestas que se pensava que as mamografias ofereciam.

Depois, há efeitos secundários do procedimento, sobretudo os que se devem ao sobre-diagnóstico. O termo técnico é cancro “dormente”, que é detectado pelas mamografias mas que na verdade não constituem ameaça.

Um estudo canadiano recentemente publicado, com casos seguidos ao longo de 25 anos, descobriu que quase 22% dos cancros detectados por mamografias eram sobre-diagnósticos, que deram origem a tratamento desnecessário, incluindo cirurgia, radioterapia e quimioterapia, ou combinações dos mesmos. Os académicos canadianos concluíram também que as mamografias anuais não reduzem os índices de mortalidade. 

Estas conclusões serão surpreendentes para muitos, sobretudo porque as mulheres, no geral, tendem a sobrestimar radicalmente os benefícios dos rastreios mamográficos. Um estudo em larga escala determinou que as mulheres sobrestimavam oito vezes as vantagens dos rastreios e achavam que as mortes devidas à ausência de rastreio são 32 vezes superiores ao que realmente são.

A equipa suíça confessou que as suas conclusões têm sido recebidas com alguma hostilidade, mas contrapõem que sim, “é verdade que as conclusões alarmam as mulheres, mas tendo em conta as provas que encontrámos, não sabemos como é que podemos deixar de as alarmar”.

Nem toda a gente concorda e o debate prossegue. Mas parece justo concluir que as vantagens das mamografias parecem ser, actualmente, marginais. Para as mulheres de certas idades e para os seus médicos, compreende-se que seja um dilema complicado. É preciso avaliar os prós e contras e nem toda a gente chegará às mesmas conclusões.

Mas há uma coisa sobre a qual todos concordam, porque todos defendem os seus pontos de vista com base na ideia de que as mulheres merecem a informação mais rigorosa. Mas há uma excepção a este princípio, ainda por cima num tema que, ao contrário das mamografias, tem o potencial de diminuir os casos de cancro: a relação entre o aborto induzido e o cancro da mama.



Que bases é que existem para esta ligação? A esmagadora maioria dos estudos, desde 1957, indicam uma relação de causa-efeito. Todos os estudos estatisticamente significativos indicam uma ligação positiva e todos os que sugerem uma associação negativa são estatisticamente insignificantes.

Uma meta-análise, composta por 36 estudos efectuados em 14 províncias da China até 2012, revelou conclusões muito significativas. As mulheres com um historial de aborto provocado tinham um risco 44% superior de desenvolver cancro da mama em comparação com mulheres que não tinham esse factor de risco. Isto é, se o risco de se desenvolver um cancro da mama ao longo da vida toda for, digamos, de 10%, a realização de um aborto provocado faz aumentar o risco para 14,4%.

O estudo chinês confirma uma outra meta-análise que revelou um aumento de 30%. Mas é ainda mais grave. Não só existe um risco moderadamente maior como emergiu uma clara relação de “dose-efeito”. Isto significa que os riscos aumentam na medida em que aumenta a exposição à ameaça. A existência da relação de “dose-efeito” é tida como dando mais peso a uma teoria plausível. Esses estudos determinaram que o risco aumenta para 76% em mulheres que tenham feito dois abortos provocados e 89% em mulheres com três.

São dados significativos, mas não chegam para provar nada. Para isso precisamos de determinar um mecanismo fisiológico de acção. Mas também o temos. No fundo tudo se resume à exposição a estrogénio: quanto mais houver, maior o risco. Nas primeiras fases de uma gravidez a mulher está exposta a doses maciças de estrogénio, que espoletam a proliferação de um tipo de lóbulo mamário que é mais susceptível ao cancro. É por isso que as mulheres que dão à luz prematuramente, antes das 32 semanas, têm duas vezes maior risco de desenvolver cancro do peito. É só nas últimas semanas de uma gravidez típica que as outras hormonas começam a ajudar a transformar esses lóbulos vulneráveis em lóbulos resistentes ao cancro. Dar à luz, e isto ninguém contesta, é benéfico para a saúde.

Qualquer epidemiologista sério dirá que esta combinação de factores merece ser levado a sério. Mas em detrimento da honestidade intelectual as autoridades têm-se desdobrado em esforços para esconder a relação. Uma das formas de o fazer é misturar os abortos provocados com os espontâneos, que não são um factor de risco.

Em vez de esconder a verdade para não “alarmar” as mulheres, seria muito melhor corrigir este escândalo. As autoridades estão a enganar as mulheres quando dizem que, de acordo com os números, o aborto provocado não acarreta um risco acrescido de adoecer.


Matthew Hanley é Investigador sénior no Centro Nacional de Bioética Católica. Matthew Hanley é autor, juntamente com Jokin de Irala, de ‘Affirming Love, Avoiding AIDS: What Africa Can Teach the West’, que foi recentemente premiado como melhor livro pelo Catholic Press Association. As opiniões expressas são próprias, e não da NCBC.

(Publicado pela primeira vez na Quinta-feira, 31 de Julho 2014 em The Catholic Thing)

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Tuesday 5 August 2014

Iraque, Iraque... pobre Iraque!


Cristão refugiado no Iraque
Faz sentido armar os cristãos iraquianos para poderem defender uma região autónoma? Alguns activistas acreditam que sim. Mardean Isaac, a residir em Londres, diz que nestes assuntos os cristãos no Médio Oriente não deviam ter de seguir os seus bispos.

É que os bispos discordam, tanto num ponto como no outro, como me disse há quase três anos o agora Patriarca dos Caldeus. Contudo, face ao agravamento das perseguições nos últimos dias, Louis Sako exige uma intervenção internacional.

Como de costume temos as transcrições completas da entrevista a Mardean Isaac. Numa primeira parte ele explica quem são os assírios, um termo que designa os cristãos daquela região, mas cuja utilização nem sempre é pacífica. Na segunda fala, então, do projecto de criação de uma região autónoma.

Não se esqueçam, entretanto, que amanhã é o dia de oração pelos cristãos iraquianos e leiam, se ainda não o fizeram, o excelente texto de David Warren sobre a perseguição que está a ter lugar.

Uma voz consistente de apoio aos cristãos perseguidos tem sido a da baronesa Warsi, no Reino Unido. Mas a única ministra muçulmana do actual Governo britânico apresentou hoje a sua demissão por não concordar com a posição de Cameron face ao conflito em Gaza.

Conheça ainda o plano de Hitler para raptar o Papa Pio XII e o cónego de Viseu que está prestes a fazer 100 anos. (Não, Hitler não queria raptar o cónego, que em 1939 nem era cónego ainda, mas já era padre).

"There is a place for arming Christians to defend themselves"

Manifestação a favor da criação
de um território para os assírios
Mardean Isaac defends the creation of a semi-autonomous homeland for the Assyrians in Iraq. This is the full transcript of the second part of an interview. The first part, about who the Assyrians are, is here. The news piece, in Portuguese, can be found here.

Mardean Isaac defende a criação de um território semi-autónomo para os Assírios, no Iraque. Esta é uma transcrição completa da segunda parte de uma entrevista. A primeira parte, sobre quem são os assírios, está aqui. A reportagem encontra-se aqui.

There were demonstrations today [Saturday, August 1st] all over the world. How many people took part? What is it you are asking for in these demonstrations?
Demonstrations took place in around 30 cities, in around 10 to 12 countries. In terms of numbers, around 40 to 50,000. Australia alone had around 6.000.

What we are asking for is, first of all, a recognition that what is going on is Ethno-religious cleansing. That is to say, in Iraq we have absolutely no protection, no security of our own, no legal or political recourse. We have simply been surrendered to the chaos which is taking place there, with nothing to stand against it.

Many of the signs you'll see point to a movement called #DemandForAction and also contain the phrase SafeHavenNow. What they point to is our desire to create a semi-autonomous region, within the Ninevah province where we can guide our own destiny, where we no longer have to be at the mercy of death squads, paramilitary groups, auxiliary forces, all other groups which have taken over Iraq, which have turned the Iraqi army into what it is now, which is nothing.

We want a region where we can live side by side with the other minorities which inhabit it, and where we can flourish, and where we can secure our own future in Iraq. That is what we want. However, we also exhibit solidarity with all our brothers and sisters in Syria, especially in the province of Hassekah, who are also undergoing terrible security crisis, and securing themselves against ISIS's onslaught.

Who would set up this province, who are you directing these pleas to?
This movement has been going on for a long time. It has really gathered momentum over the past 7 years. What is strange about what is going on now is that previously we were lobbying the Federal Government of Iraq to say "look, there is a region which Kurdistan covets and it’s in between the area which is definitely yours, and the area that is definitely theirs, and they have designs on it and we want it to become semi-autonomous.

So it was directed at the Federal Government, sort of against Kurdish designs, especially since Kurdistan kept putting off a referendum in the region in order to flood the area with more Kurds. Now all of a sudden the situation is very different indeed, that is to say, most of the plains have been taken by the Kurds. There is no reason to believe that they want to give them back, they have expanded their own territory by over 30%.

So in our protest today [August 2nd 2014] in London, in our demands, we said: Irrespective of who controls the plain, we want it to be semi-autonomous whether its Kurdish or Iraqi. Either way it will not pose a security threat to anybody, to say the least. To arm extremely disadvantaged groups like the Assyrians, the Yezidis, the few Mandeans, an absolutely extraordinary sect, the Shabaks and so on... these people are not interested in taking anybody else’s land, they simply want to secure their own.

We don't want a state, we want a part of Iraq, whether with the Kurds - we have a long and very complex relationship with them, we can certainly "do business with them" - or whether it is with Iraq, if they can get it together and expel ISIS.

Mardean Isaac
Interestingly the Kurds at the moment seem to be the ones who are best equipped to confront ISIS and defend the Christians in the region...
That's also interesting. There have been reports of fighting between the Kurds and ISIS today [August 2nd 2014], but they have so far had an implicit mutual enemy. The Kurds have taken what they want from Iraq and ISIS have taken what they want and they have allowed each other to do that.

Of course, with all these implicit deals, once these territories are secure now it’s uncertain what is going to happen. The Kurds have taken us in. I don't think they should be praised to much for that, we're talking about dealing with people like the Christians of Mosul who have been dispossessed of absolutely everything, they weren't even allowed to take watches or rings for God's sake. So the fact that the Kurds have set them up in shelters is... ok, fine.

But the Kurdistan Regional Government has a lot to answer for in terms of the way they treat us. They need to stop privileging building rights to Kurds, they need to stop confiscating our lands, all kinds of issues need to be worked out between us and the Kurds. But yes, certainly, there is a possibility of establishing an understanding. But the Kurds need to get out of their mode of insecurity, this mode of land grabbing and desperation to secure as much as possible, and ethnic hegemony. Its partially understandable why they are in that state, given their history and their antagonism towards Arabs and the State of Iraq, but they need to get out of it immediately and recognize that we suffered together in the North, we fought together against Saddam, our villages and our treasures were also destroyed, we have a shared history and they must recognize this. They must stop calling us Kurdish Christians. We have no interest in being called Kurdish Christians, we are not Kurds. And we deserve not only our full cultural, linguistic and religious rights, but also some degree, an appropriate degree of self-administration.

All of the Middle Eastern Christian religious leaders I have spoken too, and others I have read have been unanimous in saying they don't want a separate homeland just for the Christians. How far can this movement go if it doesn't have the backing of the religious leaders?
That's an interesting question...

I'll speak for myself. The position of the Chaldean church, especially their leader in America, is an outrage. His position is that because the Chaldeans inhabit a spiritual nation they have no particular interest in clinging to the territories they have in Iraq. Many statements have been made by Chaldeans that have deeply disappointed us regarding their attachment to Iraq.

As far as any religious leader who is ignoring the political reality must be criticized for it. We have absolutely no interest in being politically beholden to our religious leaders. If people want to go to church, affiliate themselves with whichever ecclesiastical institution it's their business. When it comes to issues of politics and history, I personally, and many other Assyrians, don't believe that the Churches should play a leading role, at all.

Autonomy, that's fine... but who would defend this state? Would it make a difference if you're all gathered in one place but there are still these groups that just want you gone? And on this subject, the bishops have been clear in saying that they don't want Christian militias, they don't want to respond to these persecutions with force. Is that your position? Is there a place for arming the Christians to be able to defend themselves in the Middle East?
Yes, I think there is a place for arming Christians to be able to defend themselves. To say that we don't want to respond to these persecutions with force is utterly baffling to me. We have no interest in doing anything with arms, other than protecting our villages. So in terms of the Church leaders who have a blanket position on these things, which I consider to be a politically cowardly one, I would simply like them to answer specifically as to what many people in the Ninevah plains need to do when they hear news of ISIS approaching within half a day.

Militantes do Estado Islâmico em cima
de uma Igreja em Sinjar, no Iraque
I've spoken to some of these people and they've gone to Turkey, where they live in a state of Limbo, because they are not Turkish citizens, especially when whole villages or communities are drained, they have no idea when they can return. Leaving is difficult, returning is difficult, their lives are completely suspended.

We're not talking about suddenly handing out guns to people, we're not talking about being irresponsible, and to suggest that we are, simply by recognizing the security problem is just bizarre to me. It's bizarre to anybody involved. Just go to Demand For Action, an initiative unconnected to any religious group or political party, its bizarre to them too.

What we need is organized, sanctioned, official security forces. Not militias, not squads of guys with guns, but people who protect villages and will put off attacks by looters and pillagers, which is what these groups are.

To even describe ISIS as an Islamic State is an absurdity. It’s a rag-tag crew of angry, stupid young men, who join together to go on a murder spree. It’s as if they are playing video games, that's how despicable they are. They gun people down wantonly... And there aren't that many of them. The Iraqi army should have protected us and they didn't.

So my question to all of our church leaders who are saying "we're Christian, we don't do violence", and so on, is, "what is the alternative?". That's my question.

Who are the Assyrians?

Mardean Isaac explains who the Assyrians are and gives us his perspective on the debate over Arab/Assyrian identity of Middle Eastern Christians. This is a full transcript* of the first part of an interview. The second part, on the possible creation of an Assyrian homeland, can be found here.

Mardean Isaac ajuda-nos a perceber quem são os Assírios e dá-nos a sua perspectiva sobre o debate acerca da identidade dos cristãos no Médio Oriente. Transcrição completa da primeira parte de uma entrevista, cuja continuação, sobre a eventual criação de um território para os assírios, está aqui.

Where were you born?
I was born in England. My father is an Iraqi Assyrian and my mother is an Iranian Assyrian.

Assyrian, what exactly does that term mean?
The term refers to an ethnic group who inhabit a contiguous region which is roughly correspondent to what is now described as Kurdistan, so South-east Turkey, North-East Syria, North-West Iraq, the Urmia region of Iran, and we are a non-Arab, non-Kurdish people, we speak colloquial dialects of Aramaic with some native morphology, even though our liturgical and ecclesiastical dialects are middle-Aramaic/Classical Syriac, we speak vernacular versions of those.

We have existed in those settings as a community for hundreds if not thousands of years.

Assyrian is a term we use to describe ourselves because we trace our ancestry and heritage to the inhabitants of that ancient civilization and we continue to inhabit many of its territories.

Are Assyrians Christians?
Yes. That is to say that they are almost entirely a Christian people -- I am not speaking to their particular beliefs, i.e. whether they are practicing or not. There are ethnic Assyrians who have converted to Islam over the centuries and have lost their identity and language. In recent memory, there are Assyrians who were forcibly converted to Islam and/or 'Kurdified' during the Assyrian genocide of the early 20th century. There is also a small number of Jewish Assyrians.

When we speak of Assyrians, we are not speaking of all Christians in the Middle East... Would Assyrians include the Chaldeans for example?
The Chaldean church is a Catholic branch of what is now called the Assyrian Church of the East. The first Church of the East Patriarch to enter communion with Rome was Yohannan Sulaqa in 1552. The Chaldean Church became a 'millet' of the Ottoman Empire in 1846. Chaldeans are Catholic, but ethnically Assyrian.

How about the maronites, for example?
The Maronites are obviously a Levantine people. Historically they have used Syriac, our classical language, but ethnically it depends what you mean. They belong to a different region, but it is tricky because many of them refer to themselves as Surayeh, which is hard to translate directly, but translates into Syriac -- or Syrian, in a non-Arab sense. So I would say there is a link in terms of a Syriac heritage, as well as a culture of martial highland resistance, but ethnically, directly, they are not the same as us, no.

I know that the term Assyrian is not necessarily embraced in the Middle East, there are many who are attached to an Arab identity. How peaceful is the term in characterizing Christians in the Middle East?
I think the Maronites have a very special place in the political history of the Middle East, especially in the XXth Century, that is to say, at the time of the Lebanese independence they were around 40 or 50% of the population. They spearheaded the independence movement, so their adoption of the Arab identity was the closest you could say to a majoritarian adoption of that identity. They chose to do it for the sake of the country, so to say, they wanted to align themselves with the countries nearby them and so on.

Iraqi Christian displaced by Islamic State
They don't call themselves Assyrian and over time, especially with the failure of our own national movement, which collapsed when the Ottoman Turks massacred us in 1915-1918, with the collapse of that movement the churches started to entrench themselves and try and enforce their own authority over their communities and distance themselves from a national identity.

I call myself Assyrian, I have many Chaldeans in my family who also call themselves Assyrian, we all speak Suret, which is a dialect of Aramaic with Akkadian elements, which we usually refer to in English as Assyrian, and I know countless members of the Syriac Orthodox Church also refer to themselves as Assyrian.


The Patriarch of the Melkite church, for example, is very emphatic about the Christians being Arabs just like their neighbours. Is that also a leftover of the Arab Nationalist movement?
Absolutely. The division, broadly, is between people who want to assert themselves independently of Arabism, and independent of the dominant hegemonic forces in the region, which are and were Arabism and more recently Islam. So when it comes to the Melkite Church, increasingly it is true of the Chaldean Church, this was true of the Maronite Church, although Maronite political parties have more recently begun to move away from an Arab identity, and during the Lebanese Civil War many groups, though ostensibly Catholic, refused to identify as Arabs. It has to do with whether the leaders of the churches feel they have to prioritize their congregation and their ecclesiastical authority on the Arab dominion, or whether they side with their people, in other words, they try and move towards a situation where they establish themselves quasi-independently.

Our Patriarch of the Church of the East wanted to establish an Assyrian State, under the auspices of the British, so that division between Arab and Non-Arab, has to do with that. But of course, when they describe themselves as Arabs it goes without saying that they are not "real" Arabs. They are not the Arabs of the Gulf, they don't belong to Arab tribes. The Arabism is a political movement which began in the Early XXth Century and under whose auspices they wish to go in order to save their own church and find a place for their religion in an Arab world.

During the Arab Nationalist movement, many Christians saw this as an opportunity and thought this was a chance to fit in and play leading roles, and many did. But with the failure of the Arab Nationalist movement, in practical terms, could it make it worse if they identify as non-Arabs?
It’s an odd situation. In the case of ISIS there is not a trace of Arabism in them. It’s a kind of bizarre international murder gang of Chechen and Welsh teenagers, and Afghans and all kinds of people. Of course they are preoccupied in a bizarre manner with what they call original Islam, but overall in terms of the discussions I have with Middle Eastern people my age, they find the ethnic aspect of Assyrians utterly baffling. They may discover with surprise that we don't speak Arabic, but broadly they simply see us as Christians and increasingly they see each other as simply Shiite or Sunni rather than primarily as Arabs.

Of course there are all kinds of tribal, geographical, local forces at work in all of these conflicts, but the area of broad ethnic identification is certainly in decline. And the regimes that supported that identification are collapsing. 


*A few corrections and minor alterations were submitted to these answers by Mardean Isaac in November 2014. I accepted these as they made no change to the overall tone or message of the original interview, and improved its clarity in some ways. In some cases they were spelling corrections to terms I had misheard during the interview.

Monday 4 August 2014

Edição Epidemia - Ébola & Estado Islâmico

Uma igreja assíria recentemente
ocupada pelo Estado Islâmico
O Papa Francisco disse ontem que as “nossas” necessidades não são mais urgentes que as dos pobres e convidou todos a não desviar o olhar dos necessitados.

Foi ordenado ontem um bispo na Ucrânia. Nada de espantoso, não tivesse ele apenas 37 anos, sendo o mais novo da Igreja Católica neste momento.

O surto de ébola continua a fazer vítimas. Para além das centenas de africanos que têm morrido nos seus países, vários ocidentais, sobretudo funcionários de saúde, têm sido infectados também. Destes, muitos são missionários, leigos ou religiosos. Esta segunda-feira soube-se que um padre espanhol de 75 anos, na Libéria, poderá ser a mais recente vítima.

No sábado houve uma série de manifestações em todo o mundo de solidariedade com os cristãos perseguidos no Iraque. Os manifestantes pedem ainda a criação de uma região autónoma no Iraque para poderem viver em paz. Mais sobre isto amanhã…

Entretanto para quarta-feira dia 6 de Agosto foi decretado um dia de oração pelos cristãos iraquianos. Pode saber mais neste site criado para o efeito.

A situação para os cristãos no Iraque não tem dá ares de estar a melhorar. Pelo contrário, durante o fim-de-semana os terroristas do Estado Islâmico ocuparam mais território no Norte do Iraque, incluindo aldeias e vilas historicamente cristãs e de outras minorias religiosas, que foram obrigadas a fugir. Os soldados curdos, que até agora comandavam estes territórios, prometem regressar em força e destruir o Estado Islâmico “sem piedade” dentro de 72 horas. Parece optimista, mas estou a torcer por vocês amigos…

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