Wednesday 1 July 2015

João Baptista e Escândalo Público

Pe. Mark Pilon
Quando os homens fingem favorecer o Evangelho, mas vivem no mal, não devemos encorajar a sua ilusão, mas obedecer às nossas consciências, como fez João. O mundo pode chamar a isto falta de educação ou zelo cego. Os professores falsos, ou os cristãos tímidos, poderão censurá-lo como sendo falta de civismo; mas os inimigos mais poderosos não podem ir mais longe do que aquilo que o Senhor permite. – Comentário de Matthew Henry a Mateus 14,1

João Baptista seria bem-vindo na Igreja de hoje? Em primeiro lugar, o seu estilo de vida era tão ascético que incomodaria certamente muitas consciências, mesmo entre a hierarquia. Depois havia a pregação, que incluiu uma condenação pública de Herodes Antipas por viver em incesto com a mulher do seu meio-irmão Filipe. Essa tomada de posição seria alvo de muita crítica, se não mesmo censura, nos dias de hoje.

A missão de João tinha basicamente duas vertentes. Era o último dos profetas que anunciaria a presença do Messias. Mas primeiro tinha de preparar o povo de Israel para acolher o Messias, que já estava entre eles, através de uma chamada firme para o arrependimento do dos pecados. Esta última parte da sua missão dirigia-se a uma nação inteira e não se dirigia a algum pecado em particular, até confrontar Herodes. Foi aí que as coisas se tornaram pessoais.

Herodes fazia parte de Israel, era Rei, nomeado pelo imperador romano. Mas era um membro apenas parcialmente comprometido com a religião judaica. Não era devoto, de todo, mas era bastante ecléctico. Claramente preocupava-se com algumas práticas ou costumes judaicos, mas claramente, também, não acreditava muito em doutrinas.

Tal como o seu pai, Herodes o Grande, não ia muito com a conversa de um messias. Do resto das suas crenças, se as tinha, não sabemos nada. Mas sabemos que era desprezado por todas as facções religiosas que tinham de lidar com ele. Sabemos também, através dos historiadores, que metia o dedo em práticas pagãs, ligadas aos deuses dos seus mestres, os romanos. Quando era politicamente oportuno fazia o que era preciso do ponto de vista religioso, tanto para os judeus como para os pagãos.

Mas João trata-o como correligionário judeu e não como pagão. E João respeita-o ao ponto de lhe dizer para se arrepender e mudar de vida, tal como fazia com outros judeus. Mais, porque Herodes fazia parte do povo judeu, independentemente da forma morna como o fazia, e porque desempenhava um papel importante para o povo, João não pode permitir que o seu comportamento escandaloso (a sua união incestuosa com Herodíade) passe em claro. Por isso denunciou-o, e custou-lhe a vida.

É difícil imaginar algo do género a passar-se hoje em dia. Herodes faz lembrar muitos políticos católicos que praticam a sua religião apenas na medida em que está de acordo com as suas ambições políticas. Quantos políticos católicos prestam culto, hoje em dia, aos deuses contemporâneos dos pagãos? Quantos “católicos” no congresso e noutras legislaturas e cargos de responsabilidade, apoiam os “sacramentos” sagrados da religião secular; o sacramento do aborto, há décadas, e o mais moderno sacramento do “casamento” homossexual?

Simplesmente já não há ninguém como João Baptista entre os líderes da Igreja actual que, por inerência dos seus cargos, receberam um mandato profético de Cristo. Que político católico que trabalha abertamente contra os ensinamentos morais de Cristo tem sido denunciado publicamente por isso? Sei de apenas um caso nos últimos cinquenta e três anos, quando o arcebispo Joseph Rummel, de Nova Orleans, excomungou o líder democrata Leander Perez, em 1962, por se opor à integração racial das escolas.

O preço a pagar por denunciar os poderosos
Desde essa altura tenho quase a certeza que não houve um único caso. Suponho que estas traições políticas modernas, contribuindo para o assassinato em massa e para a perversão do casamento, não merecem sequer uma condenação pública, quanto mais uma excomunhão.

Devemos, talvez, acreditar que os bispos estão a repreender estas pessoas em privado? Essa era a desculpa dada frequentemente a pais de crianças abusadas por membros do clero: “O bispo está a tratar do assunto discretamente, para evitar escândalo”. Mas depois foi-se a ver e raramente isso correspondia à verdade.

O diálogo discreto nunca pode ser a resposta adequada a uma situação de escândalo público grave. São João sabia que não podia apenas falar com Herodes em privado, porque Herodes era um escândalo público. O Arcebispo Rummel sabia que não bastava falar secretamente com Perez, embora o tenha feito também, porque Perez era obstinado no seu comportamento escandaloso.

Hoje os políticos semi-católicos são igualmente persistentes no seu escândalo. Independentemente de os bispos terem falado com eles em privado, chamando-os à conversão, não tem funcionado. O escândalo público continua e os leigos ficam mais e mais confusos.

Não basta que os líderes da Igreja dialoguem com estes políticos. As suas acções pedem arrependimento e esse arrependimento tem de ser de natureza pública para que o escândalo público seja removido.

Enquanto ainda era cardeal, o Papa Bento XVI disse que o principal dever de um bispo é de proteger a fé dos simples fiéis católicos. Quando os políticos católicos defendem males graves na sociedade, pelas suas acções, claramente estão a causar escândalo grave entre os fiéis. Quantos católicos comuns, ao longo das últimas décadas, concluíram – compreensivelmente, tendo em conta as acções dos seus pastores – que qualquer pessoa pode ser um católico fiel e ainda assim defender o aborto na praça pública e até na sua vida privada?

Não só nunca vêem os Herodes dos nossos dias censurados pelos actuais guardiões da fé, mas vêem-nos mesmo a receber a Comunhão das suas mãos. Que mais haviam de concluir?

Leander Perez acabou por regressar à Igreja antes de morrer, o que significou que teve de rejeitar e arrepender-se do seu racismo. Se o seu arcebispo o tivesse deixado passar como uma repreensão discreta temos de pensar se esse arrependimento, necessário para a salvação, teria ocorrido. Gosto de pensar que Perez ficará eternamente grato ao seu velho inimigo e que hoje gozam juntos da beatitude, tal como Paulo e Estêvão.


O padre Mark A. Pilon, sacerdote da Diocese de Arlington, Virginia, é doutorado em Teologia Sagrada pela Universidade de Santa Croce, em Roma. Foi professor de Teologia Sistemática no Seminário de Mount St. Mary e colaborou com a revista Triumph. É ainda professor aposentado e convidado no Notre Dame Graduate School of Christendom College. Escreve regularmente em littlemoretracts.wordpress.com

(Publicado pela primeira vez no sábado, 27 de Junho de 2015 em The Catholic Thing)

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