Wednesday 2 December 2015

E Agora Islão?

David Carlin
Ao contrário do Catolicismo, o Islão não tem qualquer autoridade central, nenhum Papa que possa emitir sentenças definitivas sobre o que é ou não é ortodoxo. Nesse aspecto, o Islão é mais como o Protestantismo, que tem centenas de denominações concorrentes, cada uma das quais diz ser detentora da “verdadeira” versão do Cristianismo.

Pelo menos era assim no mundo protestante até há cerca de 100 anos. Com a chegada do protestantismo ecuménico, porém, uma grande parte do mundo protestante – a parte não-fundamentalista – decidiu que todas as versões do Cristianismo são basicamente iguais em termos de verdade. O mundo islâmico ainda não chegou a um ecumenismo tão abrangente. Os muçulmanos ainda insistem que a verdadeira versão do Islão é a sua.

O Estado Islâmico considera que representa o verdadeiro Islão. Por outras palavras, o verdadeiro Islão é aquele que estabelece (ou reestabelece) o Califado; que procura, com recurso à violência militar, conquistar o mundo; que pressiona os cristãos e outros não-muçulmanos, através da persuasão, da perseguição e do terror, a aceitar o Islão. Trata-se de uma versão moderna do Islão que imita o Islão primitivo que, surgindo na Península Arábica logo a seguir à morte do profeta, conquista rapidamente o Império Persa e uma grande secção do Império Romano, da Síria no Oriente até Espanha no Ocidente.

A maioria dos muçulmanos, incluindo uma grande maioria dos académicos muçulmanos, diria, como é evidente, que o Islão do Estado Islâmico não é o verdadeiro Islão. Podem não estar de acordo sobre o que constitui o verdadeiro Islão, mas concordam sobre o que não é, e não é o Estado Islâmico.

Mas perante isto o Estado Islâmico responde de duas maneiras. Uma é a resposta retórica: “Os nossos objectivos e práticas assemelham-se, muito mais do que as vossas, aos objectivos e às práticas dos primeiros califas, aqueles que sucederam imediatamente o Profeta. Como eles, somos muçulmanos militantes. Somos guerreiros de Allah. Somos jihadistas. Vocês, por outro lado, são gatinhos. Não estão dispostos nem a matar nem a morrer pela nossa santa religião”.

A outra resposta é dada no campo. O Estado Islâmico está a ter sucesso. Estabeleceu um estado (ou um quase-estado) no Iraque e na Síria. Estabeleceu alianças com organizações semelhantes desde a Indonésia à Nigéria; para todos os efeitos está agora à cabeça de uma federação jihadista global. Atingiu os infiéis em França, na Rússia e noutros locais e tudo indica que o fará novamente no futuro. Pela primeira vez desde o declínio do Império Otomano, o Ocidente teme o Islão militante. “Contra factos não há argumentos”, dirá o Estado Islâmico “e o facto é que nós temos sucesso, vocês não”.

Como já afirmei, não existe um Papa muçulmano que possa dizer que o Estado Islâmico não representa o verdadeiro Islão. A verdadeira definição do Islão será decidida numa espécie de referendo informal, levado a cabo ao longo dos próximos 50 a 100 anos pelos cerca de 1,5 mil milhões de muçulmanos do mundo. Se o Estado Islâmico continuar a ter sucesso, e se tornar ainda mais poderoso e bem-sucedido, é muito provável que uma maioria dos muçulmanos do mundo acabe por decidir que a versão de Islão do Estado Islâmico é a verdadeira.

Que Islão terá o futuro?
Esta é a verdadeira justificação para usar força militar massiva, incluindo algumas centenas de milhares de “botas no terreno”, para esmagar o Estado Islâmico antes que se torne maior e tenha ainda mais sucesso. O problema não é que o Estado Islâmico mate umas centenas de pessoas em Paris, mais uns milhares em sítios como Londres, Roma, Berlim, Madrid, Moscovo, Washington e Las Vegas. Podemos tolerar uns milhares de homicídios. Aqui nos Estados Unidos toleramos mais de 10 mil homicídios todos os anos. O que não podemos é tolerar uma redefinição do Islão segundo o modelo do Estado Islâmico – um Islão que mobiliza uma quinta parte da população do mundo para conduzir uma guerra santa contra os outros 80%.

Ao eliminar o Estado Islâmico estaríamos a fazer um grande favor a nós mesmos e sobretudo aos nossos netos e bisnetos. Mas estaríamos a prestar um serviço igualmente importante à maioria dos muçulmanos do mundo. Claramente, o mundo Islâmico está numa encruzilhada. Sente que deve responder de forma definitiva à cultura de modernidade que vem dos Estados Unidos em particular e do Ocidente de forma geral, uma cultura incompatível com o estilo de vida tradicional do Islão e que está a tomar conta do mundo e a transformá-lo.

Uma possível resposta é aquela que o Estado Islâmico está a propor: um regresso ao Islão militante do primeiro século depois de Maomé. Outra resposta possível é a modernização do Islão para que consiga abraçar os elementos menos maus da modernidade. Se o Estado Islâmico for eliminado, o mundo muçulmano não terá outra alternativa que não virar-se para a resposta da modernização.

Trata-se de um grande “se”. Quando falo do futuro com os meus alunos alerto-os sempre para o seguinte: “Embora seja possível prever os movimentos do sol, da lua e dos planetas, é praticamente impossível prever o futuro da humanidade”.


David Carlin é professor de sociologia e de filosofia na Community College of Rhode Island e autor de The Decline and Fall of the Catholic Church in America

(Publicado pela primeira vez no sexta-feira, 20 de Novembro de 2015 em The Catholic Thing)

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