Wednesday 13 January 2016

Sim, Cristãos e Muçulmanos Adoram o Mesmo Deus

Francis J. Beckwith
Nota: O mais recente artigo do professor Beckwith sobre este assunto gerou muita controvérsia entre leitores do The Catholic Thing e outros. Muitas pessoas pensaram que ele estava a afirmar a semelhança daquilo que são claramente duas religiões muito diferentes. Neste novo artigo ele clarifica alguns pontos da doutrina católica sobre o assunto e sobre a relação entre o Cristianismo e o Islão. – Robert Royal

No dia 17 de Dezembro abordei nesta página a questão de se os muçulmanos e os cristãos adoram o mesmo Deus. Dei a mesma resposta que foi dada pelo Vaticano II, e pela Igreja Católica desde o Concílio: Sim. Os Muçulmanos e os Cristãos adoram o mesmo Deus, pese embora o Islão tenha um entendimento imperfeito do divino, uma vez que nega a divindade de Cristo e, implicitamente, a natureza trinitária de Deus.

Como a Igreja declara na Nostra Aetate (1965) sobre os muçulmanos: “Adoram eles o Deus Único, vivo e subsistente, misericordioso e omnipotente, criador do céu e da terra, que falou aos homens (…) Embora sem o reconhecerem como Deus, veneram Jesus como profeta”.

Este argumento levou a muitas respostas críticas, quase todas de cristãos não-católicos, incluindo pensadores distintos como Albert Mohler, Andrew Walker, Matthew Cochran e Peter Leithart. (Isto para não falar de uma enxurrada de revolta de leitores do The Catholic Thing). Cada um deles, enfatizando questões diferentes, identifica correctamente aquilo que os cristãos consideram ser as inadequações da teologia islâmica, tendo em conta a forma como Deus se tem revelado ao longo da história, como aprendemos na Escritura. Nada tenho contra esta linha de argumentação, pelo contrário, ela é consistente com o meu próprio argumento. Passo a explicar.

A visão da Igreja distingue entre revelação “geral” e “especial”. A primeira diz respeito àquelas verdades sobre Deus que podem ser conhecidas através da razão humana, por si; esta diz respeito àquelas verdades sobre Deus que só conhecemos através da Escritura, Sagrada Tradição e/ou o Espírito Santo que fala através do magistério. (Muitos protestantes também aceitam esta distinção, embora na categoria de revelação especial incluam apenas as Escrituras).

Para melhor compreender esta distinção, vejamos este argumento para a existência de um Deus Criador, do filósofo persa e muçulmano Al-Ghazali (1058 – 1111 AD), conhecida como o “Argumento Cosmológico de Kalam” e que é uma peça proeminente da filósofo e apologista evangélico William Lane Craig. Ele resume o argumento da seguinte forma.

1. Tudo o que tem início tem uma causa.
2. O universo começou a existir.
3. Logo, existe uma causa para a existência do universo.

Depois de defender cada uma das premissas deste argumento, um cristão com formação filosófica passará a demonstrar (através de vários argumentos) que a primeira causa do universo deve necessariamente ser um Criador eterno, auto-subsistente, perfeito e não causado, que sustenta tudo e que não deriva o seu ser de qualquer outro. (O Craig coloca a questão de uma forma ligeiramente diferente, uma vez que não é um teísta clássico, o que levanta a questão ainda mais bizarra de saber se todos os cristãos adoram o mesmo Deus, um assunto que deixaremos para outra altura).

Suponha-se que o Abdullah, um ateu árabe, depois de se ter deixado convencer por este argumento passa a acreditar, como acreditam os cristãos, que tal Criador existe. Será que o Abdullah e um cristão acreditam no mesmo Deus? Parece-nos que sim. O Cristão, como é evidente, não só acredita neste Deus mas presta-lhe culto também. Acredita também em muitas outras coisas sobre este Deus que a revelação geral, por si só, não lhe fornece. Estas coisas incluem a noção de que Deus é uma trindade, que a Segunda Pessoa da Trindade encarnou como Jesus, e por aí fora. De acordo com a fé cristã, estas crenças apenas se podem depreender com base na revelação especial, a Bíblia.

"Não há outro Deus que não Deus"
Pouco depois de ter mudado de ideias sobre a existência de Deus, Abdullah passa a frequentar a mesquita local, onde lhe ensinam a acreditar que o Criador (a quem ele chama “Allah”) é digno de adoração, não é uma Trindade, não pode gerar nem ser gerado, e por aí fora. Estas crenças não derivam da revelação geral que o levou a acreditar em Allah mas derivam, antes, daquilo que os muçulmanos acreditam ser revelação especial, o Alcorão.

Será que Abdullah e o cristão ainda acreditam no mesmo Deus, que agora ambos adoram? Sim, mas com um senão: Embora adorem o mesmo Deus, não podem ter os dois razão sobre a Trindade e a Encarnação. Partindo do princípio que o Cristianismo e o Islão são opções mutuamente exclusivas, entre o cristão e o Abdullah há um que sabe mais sobre Deus do que é possível depreender a partir da revelação geral. Mas é precisamente por isso que é correcto dizer que adoram o mesmo Deus, apesar de um deles estar claramente enganado sobre algumas das crenças que tem sobre esse Deus.

Vejamos mais este exemplo: A Lois Lane está apaixonada pelo Kal-El (o nome de nascimento do Super Homem), e acredita que ele não é humana porque nasceu em Krypton. Agora imagine-se que a Lana Lang se apaixona pelo Clark Kent (o alter-ego jornalista do Super Homem) e que acredita que ele é humano porque pensa que é filho de Martha e Jonathan Kent. A Lois não sabe que o Kal-El é, na realidade o Clark Kent e a Lana não sabe que o Clark Kent é, na realidade, Kal-El.

A Lois e a Lana estão apaixonados pelo mesmo homem? Claro que sim, embora uma delas esteja claramente enganada no que diz respeito a algumas das crenças sobre o Kal-El/Clark e a sua natureza. A razão por detrás disto é que existe apenas um ser que é, na sua essência, o Kal-El.

Da mesma forma, existe apenas um ser que é, na sua essência, Deus: o Criador eterno, auto-subsistente, perfeito, não causado, imutável, que tudo sustenta e que não deriva o seu ser de qualquer outro. Nas palavras de São Paulo, no seu sermão no Areópago, “O Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens (…) porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos. (Actos 17: 24,28)

Se esta descrição corresponde a quem adora, então adora Deus. Em todo o caso, faria bem em dar atenção à conclusão de São Paulo nesse dia em Atenas: “Mas Deus, não tendo em conta os tempos da ignorância, anuncia agora a todos os homens, e em todo o lugar, que se arrependam; Porquanto tem determinado um dia em que com justiça há-de julgar o mundo, por meio do homem que destinou; e disso deu certeza a todos, ressuscitando-o dentre os mortos. (Actos 17:30,31)

Deo Gloria.


(Publicado pela primeira vez na Quinta-feira, 7 de Janeiro 2015 em The Catholic Thing)

Francis J. Beckwith é professor de Filosofia e Estudos Estado-Igreja na Universidade de Baylor. É autor de Politics for Christians: Statecraft as Soulcraft, e (juntamente com Robert P. George e Susan McWilliams), A Second Look at First Things: A Case for Conservative Politics.

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2 comments:

  1. Não, é claro que os cristãos e os muçulmanos não adoram o mesmo Deus. Que os cristãos não tenham disso uma noção precisa, bem esclarecida e informada, é sinal do grau de degradação a que chegou a compreensão do cristianismo pelos próprios cristãos, da miséria a que chegou a sua apologética. Como é possível sequer pensar em evangelização a este nível? Como podemos confiar na prevalência da cultura e da civilização perante a bestialidade?
    Os cristãos e os muçulmanos não adoram o mesmo Deus tal como não adoram o mesmo Deus que os adoradores de Baal, Ga-Gorib ou Hubal, ou que os seguidores de Jim Jones ou David Koresh, ou que os Raelianos, os Mormones, os Moonies ou os Cientologistas. E é completamente irrelevante que quaisquer destes digam que «Adoram (…) o Deus Único, vivo e subsistente, misericordioso e omnipotente, criador do céu e da terra, que falou aos homens (…) Embora sem o reconhecerem como Deus, veneram Jesus como profeta». O Deus dos muçulmanos não é misericordioso, alô!... É uma besta ferocíssima. Basta ler o corão e conhecer minimamente o islão. E apesar de dizerem que veneram um profeta com o nome de Jesus, não é certamente o mesmo Jesus dos cristãos mas uma figura lastimável, sem qualquer conteúdo digno de nota, um ridículo mágico de feira que usa o mesmo nome, como alguns traficantes de droga mexicanos.
    O deus dos muçulmanos não tem nenhuma das características de um Deus que por Amor se sacrifica, se auto limita para criar e para abrir lugar a criaturas que livremente O amem. O deus dos muçulmanos é apenas um grande animal sem limites à contínua expansão da sua incomensurável estupidez. É triste e deplorável que os cristãos não saibam distinguir o verdeiro Deus do Grande Animal.
    Acrescento o que já aqui disse: a nossa época, dominada por uma ideologia que se constrói na abolição de hierarquias de valor, na diluição de estratificações morais, na ausência de considerações cuidadas e judiciosas sobre o bem e o mal, sobre a justiça e a injustiça, anseia pelo nivelamento, precisa desesperadamente, sob pena de auto-anulação, de afirmar que o islão tem o mesmo valor que tudo o resto. É incapaz de compreender o grau de anulação da consciência, o deserto ético, que o islão significa, o totalitarismo desumanizante que a sua submissão total representa. Submissão total ao Grande Animal, note-se bem.
    O muçulmano, a Lana Lang e a Lois Lane bem podem todos berrar e chiar que adoram o Clark Kent, o Kal El ou Alá, tanto faz, se o que amam e adoram é na verdade o cão do Clark Kent.
    Francis J. Beckwith, antes de qualquer divagação, mesmo que por S. Paulo, deveria começar por meditar profundamente no Primeiro mandamento: «Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua mente.» «Eu sou o Senhor teu Deus não terás outro Deus além de mim.»
    Francis J. Beckwith é professor de Filosofia e Estudos Estado-Igreja numa qualquer universidade? Espantoso. Só mesmo na América.

    Pedro Borges

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  2. Tão espantoso como os padres conciliares terem aprovado um texto que diz, preto no branco, que os muçulmanos adoram o Deus verdadeiro.
    Espantoso de facto.

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