Thursday 20 December 2012

2 – A Guerra Civil na Síria

Mapa de distribuição religiosa na Síria
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Graças a Deus, existe a ONU!

A Organização confirmou hoje que existem militantes do Hezbollah a combater pelo regime de Bashar al-Assad, na Síria e alertou para o facto de a guerra civil naquele país ter assumido contornos de luta sectária! A sério?!

Pois este é um tema sobre o qual temos falado incansavelmente durante todo o ano, até mais, mas foi sem dúvida um dos grandes temas deste ano no que diz respeito a informação internacional e também religiosa, porque a religião desempenha um grande e importante papel neste conflito.

A guerra na Síria ajuda-nos a compreender que isto da Primavera Árabe não é um fenómeno simples, igual em todos os países. A situação na Síria não tem nada a ver com o Egipto ou com a Tunísia. Se na Tunísia a população é praticamente homogénea, e no Egipto são apenas dois os grupos etno-religiosos de peso, os muçulmanos sunitas e os cristãos, a Síria é uma manta de retalhos.

Se não vejamos:

População: Cerca de 22 milhões
Distribuição religiosa:
            Muçulmanos sunitas: 74%
            Muçulmanos de tradição xiita: 13%
            Cristãos, várias denominações: 10%
            Drusos: 3%

Mas se fosse só assim seria demasiado simples! Então temos que 9% da população é curda. Os curdos são na maioria sunitas, mas mantêm-se à parte da população árabe, por isso os árabes sunitas são apenas cerca de 65% da população total.

Entre os xiitas temos também três grupos distintos, mas o grupo principal são os alauitas, uma vertente esotérica do xiismo. Os alauitas vivem também no Líbano e na Turquia mas a maioria vive na Síria e, desde a subida ao poder da família Assad, dominam os aparelhos do poder político e militar, isto apesar de serem apenas cerca de 10% da população total.

Por fim, os cristãos pertencem a várias denominações diferentes. Há católicos (de várias igrejas), ortodoxos, arménios e protestantes. A variedade de hierarquias e uma notória falta de coordenação significam que os cristãos, mesmo que estejam de acordo, raramente falam a uma só voz.

Vamos então ao conflito. Quem é que está a lutar pela queda do regime?

O grosso dos militantes anti-Assad são árabes sunitas. São apoiados financeira e militarmente pelos países árabes sunitas do Golfo, muitos dos quais tentam impor aos grupos que financiam as suas ideologias extremistas. Contudo, alguns membros de outros grupos étnicos ou religiosos também apoiam a oposição.

E quem apoia Assad? Os alauitas, sem dúvida. Mesmo que não gostem da figura e da repressão do regime, vivem aterrorizados com o que lhes pode acontecer caso os sunitas tomem o poder. As garantias por parte da oposição de que não haverá lugar a retribuições e vinganças não parecem consolar os alauitas.

Os cristãos também apoiam, no geral, Assad. A Síria era, até há cerca de dois anos, um dos sítios mais seguros para os cristãos viverem em todo o Médio Oriente. Pela minha experiência pessoal, de contacto com cristãos sírios, mesmo antes do começo das revoltas, eles não gostavam do regime em si, mas calculavam que era um mal menor, tendo em conta o que se passava nos países à volta. Como os alauitas, temem um eventual Governo islamista sunita.

Na corda bamba estão os drusos que, mais que tudo, querem que os deixem em paz.

Complicado? Calma que ainda fica pior. É que há também os actores externos. Vejamos.

O Irão é a única potência regional xiita e faz tudo o que tem ao seu dispor para salvaguardar a sua influência regional. Uma Síria em mãos alauitas é aliada do Irão, uma Síria sunita não é. Por isso o Irão apoia Assad até porque o fim do regime impediria os iranianos de continuar a apoiar o Hezbollah, no Líbano.

O que nos leva precisamente ao Hezbollah. Esse grupo político-militar xiita é, actualmente, o mais influente no Líbano. Tem um arsenal próprio e conta com o tal apoio do Irão, que é muito significativo. Com o seu poder continua a fazer frente a Israel, como pode. Para o Hezbollah a perda da conduta Síria, por onde vêm armas do Irão, seria desastrosa. É por isso que o Hezbollah está, de facto, há muito tempo, a combater na Síria ao lado das forças armadas de Assad.

Para além dos países do Golfo que apoiam financeiramente a oposição há ainda que ter em conta a Turquia. Os turcos já não são aquele baluarte do secularismo que eram há anos, o país tem-se tornado crescentemente islâmico e à medida que a Europa vai mostrando que não a quer na União Europeia, os turcos vão virando as atenções para o Médio Oriente, conscientes de que a Primavera Árabe pode muito bem aumentar a sua influência na região.

Por isso a Turquia, um dos países sunitas mais importantes do Médio Oriente, também quer ver os sunitas no poder na Síria, de preferência com uma dívida de agradecimento para com Ancara.

E quem é que não pode ver os turcos à frente? Os curdos, pelo que esse grupo se mantém muito desconfiado em relação à oposição na Síria também.

Resumindo, uma enorme misturada, mas onde a religião é um factor chave para se compreender o que se está a passar. Não é, de certeza, uma mera questão de amantes da liberdade contra um estado tirânico.

Também é necessário realçar, claro, que há excepções. Há cristãos empenhados na oposição e há sunitas que não querem ver Assad pelas costas. A tendência até pode ser para a passagem gradual dos cristãos e outras minorias para o lado da oposição, à medida que percebem que a vida normal e calma que gozavam simplesmente não regressará.

E, claro, há muitos factores extra-religiosos na equação. O apoio da Rússia e da China a Assad tem outras raízes, por exemplo, e os EUA e Europa não apoiam certamente a oposição por amor ao Islamismo.

Actualmente a queda do regime parece ser simplesmente uma questão de tempo, mas isso não será o fim da história, é que muitos destes grupos poderão, em situações de perigo juntar-se nas suas terras ancestrais, e tentar, quem sabe, criar estruturas autónomas de Governo. Mas isso já são suposições.


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