Wednesday 18 October 2017

Terços que Assustam os Media

Clemente Lisi
Num tempo marcado por “fake news”, os leitores são bombardeados todos os dias com histórias – na maior parte dos casos legítimas, mas às vezes totalmente inventadas – alimentadas pelas redes sociais. O processo de angariação de notícias – o método através do qual os jornalistas e os editores avaliam o valor das histórias – tem-se tornado cada vez mais tema de discussão.

Os leitores já não se limitam a aceitar as notícias que aparecem de manhã nos jornais ou que lhes chegam continuamente através dos seus feeds do Twitter. Erros básicos, falta de isenção e a eleição presidencial do ano passado ajudaram a alimentar a narrativa de que a imprensa generalista está desligada da realidade dos americanos. A internet tem-se revelado uma oportunidade para os jornalistas, mas cada vez mais um desafio, também.

A minha experiência indica que falta diversidade nas redacções. Todas as empresas procuram ter diversidade nos seus quadros hoje em dia, mas nenhuma indústria precisa mais dela do que o jornalismo. A diversidade na redacção conduz a boas ideias, melhores debates e cobertura jornalística de melhor qualidade. Existe diversidade racial entre o pessoal? Devemos contratar outra mulher? Estas são questões com as quais as empresas se debatem cada vez que há uma vaga.

Mas o que nunca parece preocupar os empregadores é se existe um número suficiente de católicos praticantes na redacção, ou se devem contratar uma pessoa de fé – qualquer fé – para escrever sobre o que se passa no mundo e na comunidade. A crença em Deus é tabu na redacção.

Dizer que as pessoas religiosas estão mal representadas no mundo jornalístico é pouco. Mas esse facto faz uma grande diferença na forma como grandes órgãos de comunicação social tratam temas importantes como o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A cobertura mediática pode influenciar a opinião pública e ajudar a determinar as leis e as políticas. Tem um impacto sobre as normas sociais e está a ser feita, em larga medida, sem a contribuição de pessoas religiosas em lugares chave.

Não existe espaço mais secularizado do que uma redacção. O preconceito liberal existe nos media, mas a maioria dos jornalistas não dá por ele. Não se consegue distinguir o preconceito quando toda a gente à nossa volta pensa e sente da mesma maneira.

Tomemos como exemplo a recente concentração de cidadãos polacos ao longo da fronteira da sua nação. O evento do dia 7 de Outubro, a que se chamou, “Terço nas Fronteiras”, foi organizado para coincidir com o aniversário da Batalha de Lepanto, entre cristãos e o Império Otomano, em 1571. Neste caso tratou-se de um evento solene e pacífico, mas para muitos nos media foi automaticamente classificado como sinistro porque envolvia católicos e terços. A “Newsweek” não resistiu a classificá-lo assim logo no título: “Católicos polacos rezam na fronteira, em evento tido como anti-islâmico”.

Se os muçulmanos tivessem organizado uma iniciativa semelhante jamais teria sido descrito de forma negativa. Ainda por cima a “Newsweek” embebeu um vídeo sobre a Sexta-Feira Santa nas Filipinas (provavelmente o único vídeo relacionado com catolicismo que tinham disponível), em que são reencenadas as últimas horas de Jesus – incluindo homens a serem pregados a cruzes – numa prática que o Vaticano já condenou. A imprensa cobre este evento porque representa fanatismo, ao contrário de devoção normal.

Mas a “Newsweek” está em boa companhia. A “BBC” e outros órgãos descreveram o evento de oração como “controverso”, como se isso fosse um simples facto.

Estamos habituados a ver este tipo de preconceito na forma como os media cobrem eventos como a Marcha pela Vida anual, mas a maioria de nós não tem noção de como muitas outras “notícias” são afectadas.

Os jornalistas tendem a ser caucasianos, educados, a viver em Nova Iorque ou em Los Angeles, duas das cidades mais liberais do país. A maioria das pessoas conservadoras acaba por entrar para o sector privado, oferecendo frequentemente o seu tempo ou doando dinheiro para causas que crêem que podem ajudar outros. Os liberais apostam no jornalismo porque é uma profissão que valorizam.

Os jornalistas que trabalham nos jornais de grande circulação de áreas metropolitanas importantes costumam ter licenciaturas de universidades da Ivy League – mais um bastião de liberalismo – e querem promover a mudança através do pensamento crítico e da escrita. O jornalismo é visto como um trabalho intelectual e passou de ser um trabalho de classes socialmente mais baixas para classe média ou alta nos anos que se seguiram ao caso Watergate.

Este conjunto de factores deixa católicos devotos – e crentes devotos de qualquer fé – praticamente sem espaço nas redacções actuais. Isso em si faz com que a cobertura mediática seja enviesada. O escândalo dos abusos sexuais na Igreja Católica, por exemplo, não é tratado da mesma forma do que escândalos envolvendo rabinos ou imãs.

Para os jornalistas liberais a Igreja Católica é um autêntico saco de pancada. O jornalismo que levou ao desmascarar de padres culpados de abusos sexuais é um exemplo de profissionalismo – e uma fonte de grande vergonha para mim enquanto católico. Mas os representantes da Igreja nunca recebem o benefício da presunção da inocência que vimos atribuída a polícias, ou até a outras pessoas, acusadas de homicídio. As únicas alturas em que vemos a Igreja a receber cobertura mediática positiva é quando apoia a agenda liberal – basta ver a cobertura aos bispos americanos que se opuseram a Trump quando ele tentou acabar com a política que protegia imigrantes ilegais que tinham chegado aos Estados Unidos enquanto crianças.

A diversidade de pensamento, em geral, seria muito útil para melhorar as redacções e o jornalismo que produzem. Mas contratar alguns jornalistas que percebem de facto alguma coisa sobre religião – um dos aspectos centrais da vida de seres humanos em todo o mundo – ou que talvez fossem eles próprios crentes, é tão ou mais importante para garantir que as notícias são completas do que a cor da pele ou o historial étnico de um repórter.

Talvez um dia os órgãos generalistas dos media acordem para essa realidade.


Clemente Lisi, um novo colunista no “The Catholic Thing”, é professor assistente de Jornalismo na King’s College, em Nova Iorque. Tem quase 20 anos de experiência enquanto jornalista e editor em órgãos de comunicação social como o “New York Post”, “ABC News” e o “New York Daily News”.

(Publicado pela primeira vez na segunda-feira, 12 de Outubro de 2017 em The Catholic Thing)

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