Wednesday 25 April 2018

Felix Culpa, um Tipo Interessante

Pangur Bán
Chamemos-lhe Felix. Há pouco mais de um ano que vive com uma devota comunidade religiosa católica. Ao longo desse tempo a sua vida mudou.

Há alguns anos ele e a sua namorada tiveram um filho. Depois de um grave acidente chegou a estar a tomar três analgésicos diferentes. Um caso típico de uso, e depois abuso, de opiáceos. A sua namorada também começou a abusar de drogas.

Outros detalhes da sua vida prévia não surgiram em conversa. Aparenta ter quarenta e poucos, mas provavelmente é mais novo do que parece. Dá ares de ser de um meio rural, de classe operária. Também transmite a ideia, que se viria a confirmar em conversas, de ser muito pensativo.

Quando o abuso de substâncias estava já em fase avançada, de repente apercebeu-se do grande mal que estava a ser feito. Sem perceber muito mais do que isso, tentou endireitar o seu próprio percurso e o da namorada. Ela não estava interessada e ele concluiu que ao ficar com ela estava a piorar a situação para ela e para o filho.

Partiu abruptamente. Sem nada e sem sítio para onde ir. Mas sentiu, de forma inesperada e forte, a presença de Deus a acompanhá-lo enquanto saía para o mundo sem planos, apenas com uma oração a pedir que Deus lhe mostrasse onde ir, o que fazer. Vagueou durante dois anos.

A sua natureza e a sua experiência tinham-no tornado desconfiado de organizações grandes, incluindo igrejas e, sobretudo, a Igreja Católica. Tinha passado algum tempo com comunidades “new age”, mas estas não lhe satisfaziam.

A dada altura soube que uma amiga de longa data estava a morrer. Viajou uma grande distância para a visitar e ficou a cuidar dela. À medida que a doença piorava, mais elementos da sua família vieram para ajudar e ele acabou por perceber que já não havia nem necessidade nem espaço para ele, por isso seguiu o seu caminho.

Quando pensava para onde ir de seguida, alguém da família falou-lhe da tal comunidade católica, ali perto. Nunca tinha sentido qualquer interesse por esse tipo de comunidade. Mas foi, e ficou uns tempos.

Fez biscates para pagar o alojamento. Fez perguntas sobre a fé da comunidade e as respostas faziam sentido. Viu as orações, como eram genuínas, os resultados que obtinham. Fé verdadeira e eficaz. O seu cepticismo quanto a organizações grandes mantinha-se, mas a sua confiança nesta pequena comunidade foi-se aprofundando. Ocasionalmente tinha-se interessado por religião, e nunca tinha alinhado na conversa do “espiritual mas não religioso”, mas também nunca tinha visto uma religião assim.

Fez perguntas sobre a fé e recebeu respostas sólidas. Chegou-se a um ponto em que conversar com ele sobre assuntos católicos era conversar com alguém que tinha recebido uma formação soberba e ortodoxa, tendo-se esforçado, de forma bem-sucedida, para a compreender.

A sua vida não o tinha levado às universidades de topo, mas era um homem inteligente, que questionava as coisas com um cepticismo saudável – mas não com cinismo niilista – disposto a aceitar as coisas razoáveis desde que razoavelmente demonstradas, mas sem paciência para grandes entusiasmos ou balelas pseudointelectuais. Queria a verdade e, estranhamente, tinha-a encontrado. E sabia-o.

Agora espera para ser recebido na Igreja Católica. Ainda falta algum tempo.


E a namorada e o filho? “Penso neles. Ainda ontem falei-lhes. Financeiramente estão bem, mas as coisas não mudaram muito para melhor. Sei que tomei decisões que agora não consigo controlar. É difícil. O que posso fazer agora é continuar a focar-me em Deus para que quando o meu filho estiver pronto, quando as coisas estiverem prontas, eu estar pronto.” Isto não foi dito de forma evasiva ou irresponsável, mas com resignação e esperança.

Será que se vai juntar à comunidade quando for recebido na Igreja? “Estou-lhes muito agradecido, mas não me parece que o meu lugar seja aqui para sempre. Seja onde for, Deus me mostrará”.

De vez em quando Felix fala de política. Está a par da actualidade e procura separar as notícias verdadeiras das falsas, interessa-se pelo mundo para lá da sua situação imediata e demonstra bastante prudência ao analisar a realidade contemporânea.

Também sabe que a Igreja em que vai entrar se encontra dividida, que o que hoje emana de Roma nem sempre parece bater certo com o que aprendeu ao longo do último ano. Sabe como distinguir as coisas, sabe o que passará e o que permanecerá.

A história de Felix poderá acabar bem, ou não. Mas não é certamente a história tipicamente burguesa do católico americano assimilado. O seu caminho para a fé não foi nem intelectual nem anti-intelectual. Mais uma balada séria de música country católica, ainda por concluir. Talvez os Hillbilly Thomists gravem um tema “bluegrass” sobre ela, incertezas e tudo.

Mas não deixa de ser fantástico ver que quando o dedo de Deus toca um homem com a graça, o sofrimento não cessa, apenas começa a fazer sentido. “Amazing”, como diz a velha canção.


Pangur Bán é um pseudónimo, de um poema do Século IX escrito por um monge irlandês que vivia na antiga Suábia. Pode ler o poema aqui, ou aqui e ouvi-lo em inglês ou em gaélico aqui.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no domingo, 22 de Abril de 2018)

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